quinta-feira, 7 de junho de 2012

Sem problemas



O sujeito quando é otimista demais (perdoem-me) para mim é mais um doente na multidão; um louco ocupando espaço no mundo de Gire.
Outro dia, logo pela manhã recebi a visita de um homem por sinal, muito bem trajado em um dos meus consultórios. Sorridente e extremamente simpático. Simpatia demais é macumba, creiam. Confesso que, até então nunca tinha visto antes um elemento que gostasse tanto de viver quanto aquele homem. Logo de cara já me lançou um sorriso e me deu um forte aperto de mão.

- Bom dia, doutor Boa! Tudo bem e, como tem passado?
- Tudo bem. Qual é o teu nome porque já sabe o meu?
- Flor.

Fiz uma pausa rápida, medi ele com meus olhos da cabeça aos pés e, na seqüência falei:

- É um nome bonito.
- Com certeza. Creio que no mundo não há nada mais bonito do que as flores, não é? Gosta de flores, doutor?
- Nada contra elas.
- Mas não pode ter mesmo. Acho muito lindas as margaridas, os jasmins, as violetas e as rosas em suas variadas cores...

Gire! O sujeito não parava de falar de flores e eu, sério dou-lhe uma cortada:

- Qual é o teu problema?
- Não tenho problemas, doutor.
- Problemas todos nós temos.
- Pois é, mas eu não tenho problemas nenhum com as flores.
Que homem chato e inconveniente, gente!

- Sr. Flor, esqueça um pouco das flores e me responda na íntegra: qual é o seu problema?
- Já lhe disse doutor... eu não tenho problemas. O Sr. tem?
- Estou diante de um agora.
- Ah, é? Fale-me dele. Vou lhe ajudar.
- Falar de quem?
- Do seu problema. Posso lhe ajudar.
- Sr. Flor, eu cuido dos meus problemas.
- Que bom! Eu não tenho problemas.

Respirei fundo, fiz uma nova pausa e pensei rápido antes de perguntar.

- Viu os estragos que a chuva tem feito ultimamente no estado do Rio?
- Estragos?! A chuva é uma bênção de Deus porque banha a terra e os homens e ela faz parte da natureza e...
- Meu senhor... faz idéia de quantas vidas se foram? Quantas pessoas soterradas, mortas por um dilúvio causador de grandes enchentes?
- O que é isso, doutor! Todas aquelas pessoas morreram felizes porque morreram banhadas. Até o gato marinho adora uma água.
- O senhor é louco?
- Não, doutor. Mas, se eu fosse também seria feliz. O senhor é?
- Sou o que?
- Louco?

Não lhe respondi. Estava mais do que na hora de eu me livrar daquela criatura inconveniente do meu consultório.

- Aceita um café?
- Claro. Meu falecido pai era o rei do café. Conhece aquela música de Tião Carreiro e Pardinho... o rei do café?
- Não conheço.
- É baseada na história ocorrida com o meu pai. Quer ouvi-la?
- Outro dia, Sr. Flor. Tome o seu café antes que ele esfrie.

Ele faz um bico, sorri e toma um pouco de café.

- Que delícia! Não ta quente, nem frio. Ta na temperatura correta: o café ta morno. O senhor mesmo é quem faz?

Lancei-lhe um sorriso bem diabólico.

- Sou eu mesmo quem faço.
- Delícia! Tome um pouco também, doutor.
- Não. Muito obrigado.
- Ta amargo como o jiló e doce como o mel. É um café diferente e...

O homem fica pálido e, comecei a me preocupar. Até então, não conhecia esse efeito, essa reação inédita.

- Sente-se mal, Sr. Flor?

Ele faz caretas horríveis, se contorce todo, fica amarelo, vermelho e lá vem na seqüência rajadas de peidos multiplicativos. Foram tantos que me perdi na contagem.

- Que delícia, doutor! Peidos fazem parte da natureza humana. Fico aqui me perguntando: será que as borboletas peidam?
-Não faço a menor idéia.
- Acho que sim, doutor. Elas peidam flores que, por sinal exalam um delicioso perfume.

Ele dispara mais uma inédita rajadas de peidos.
- Seria interessante um banheiro mas, não vai ser mais necessário, doutor.
- Por que?
- Os telegramas (que são os peidos) chamaram a merda e, não é que ela veio mesmo? A propósito, tens uma cueca para me emprestar?
- O que?!
- Sim, uma cueca.
- Não uso cuecas.
- Então me empreste uma sunga.
- Também não uso sunga.

E o sujeito dá altas gargalhadas.

- Doutor! Não vai me dizer que o senhor usa calcinha?

O sujeito maldito conseguiu me tirar do sério.

- Não! Não uso calcinha e vê se dá linha.
- Gostei da rima.
- Pois é, Sr. Flor... noto que agora tens um problema: está todo cagado.
- Mas, isso não é um problema, doutor.
- Não?!!

Ele abre sua pasta 007...

- Sou um homem preparado.

Tira dentro dela uma pistola calibre 38 e me aponta.

- Preciso de uma cueca, doutor.

Suei frio...

- Mas eu não uso cuecas, nem sungas e nem calcinhas...
- Então tire sua calça.

Que horror! Fiquei semelhante a um meio Adão: pelado da cintura pra baixo. A criatura “sem problemas” me obrigou a ficar de costas enquanto vestia minha calça e, pra finalizar solta um peido tão alto que conseguiu fazer disparar o meu coração. Pensei que fosse um tiro. O demônio saiu rindo do meu consultório e depois de eu rezar muito para Giré me levantei e... putz! Caí de boca na cueca cagada daquele demônio asqueroso. Com minha boca toda melecada de merda fixei meus olhos em cima da cadeira e vi a arma que ele esquecera. Agora era o meu fim mesmo. Decidi tirar minha vida depois dessa. Só que a arma era de plástico.
Um dia eu acho esse cara e, estejam certos de que ele ter muito mais de cem problemas comigo.

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