Juarez
era um sujeito trabalhador porreta. Sertanejo semi analfabeto, servente de
pedreiro, dava um duro lascado pra sustentar sua mulher Francislaine e sua
única filha Francisca, seu xodó.
Francislaine
era uma baiana estressada, nervosa, explosiva e muito ignorante. Parecia um
bicho do mato. Não prestava pra nada, só vivia reclamando.
Francisca
ia completar 15 anos e seu pai ia dar uma festa da bexiga para ela que tanto
amava.
-
Chiquinha, capriche nos estudos, visse? Papai vai lhe dar um presente capaz de
lhe fazer pular feito pipoca de tanta alegria.
E
aquela moleca banguela, caipira, sorria e ria feito uma doida e perguntava:
-
O que será que eu vou ganhar, hein? O que será que eu vou ganhar, hein?
-
Surpresa, minha filha.
Moravam
num barracão humilde numa favela. Quando o calor era demais a família tinha que
sair de dentro dele pra não se derreter. Eta, peste!
Chegou
o dia do aniversário de Francisca e a moleca estava numa agitação dos demônios.
-
O que será que eu vou ganhar, hein? O que será que eu vou ganhar, hein?
Juarez
ligou sua vitrolinha de pilha, botou pro lado de fora do barraco duas caixas
acústicas e só rolava modão sertanejo daquelas músicas universitárias. Eta,
pôrra! Nem foi preciso convidar os vizinhos. Já estavam todos lá já que tinha
muito “chopeidança e garapeidoce”.
Juarez,
baixinho, talvez uns dois centímetros maior do que um anão original, sobe em
cima de uma cadeira e, com o auxílio de um microfone diz para todos os presentes
daquela festa:
-
Muita atenção, por gentileza povo. Como todos sabem, esta festa não é minha e
muito menos de vocês. É de minha filhinha Chiquinha. Puxe uma cadeira minha
filha e chegue junto de seu pai.
E
a moleca puxa uma cadeira, fica em pé sobre ela, pega o microfone das mãos de
seu pai, sorri, ri e pergunta:
-
O que será que eu vou ganhar, hein? O que será que eu vou ganhar, hein?
Que
moleca irritante e sem graça! Finalmente, Juarez tira de seu bolso uma caixinha
e, todos, inclusive a moleca ficam na expectativa. O pai entrega o presente
para a filha, que trêmula o desembrulha. Ela chora:
-
Papai, não precisava. Era o meu sonho ganhar esse presente. Fiquei feliz
demais.
Pai
e filha choram de muita emoção. Alguns vizinhos até tiram fotos daquela cena
assim tão emocionante. Francisca fica tão feliz com aquele presente que não
parava de se exibir para suas amigas:
-
Agora eu tenho. Agora eu posso. Foi o meu pai que me deu.
E
aquela moleca que já era sem graça fica mais sem graça ainda com aquele presente
nas mãos. Sua mãe teve que dar uma surra, porque a moleca não queria saber mais
de estudar. O pior é que o pai defendia a moleca e acabava brigando com sua
mulher:
-
Não encoste nem mais um dedo gordo em minha Chiquinha porque senão eu lhe
arrebento de porradas, entendestes?
E
Francislaine desabafava:
-
Não está vendo que essa peste de moleca ta abandonando os estudos por causa
desse demônio de presente que tu destes pra ela?
-
Te acalme, mulher! Vou conversar com ela e tudo vai voltar ao normal, visse?
E
de tardezinha, quando Juarez chega do trabalho tem uma longa conversa com sua
filha:
-
Chiquinha querida, preste atenção no teu pai. Todo mundo já sabe que você
gostou desse presente que lhe dei com muito amor e carinho, porém, dá um tempo,
minha filha. Tu não larga dele nem pra dormir, nem para comer. Aí, dana-se
tudo.
-
Mas, papai, eu gosto dele demais!
-
Eu sei minha filha. Mas, dá um tempo.
Realmente,
o presente que Juarez deu a sua filha era bom e lhe saiu caro: todo o seu
pagamento foi pro pau na compra de um celular com MP3, cartão de memória 2GB rádio e TV,. Etc. O mais interessante e o que chamava a atenção dos pobres,
principalmente, era que o aparelho era importado. E aquela moleca retardada
queria entender mais sobre isso.
-
Meu pai, o que é que quer dizer isso que diz aqui na bunda do meu celular:
“Made in Paraguai?"
-
Quer dizer minha filha, que esse celular é importado, ou seja: foi produzido
num país estrangeiro, entendestes?
-
Quer dizer que ele veio das europas, meus pai?
-
Parece-me que é, filha. “Zeuropa” das americas sulinas, uma coisa assim. Zele
bem dele, minha filha. Esse danado custou-me foi caro.
-
Zelarei, meu pai.
Quando
a moleca descobre que seu celular tirava fotos, começa a tirar fotos de tudo.
Até das joanetes dos seus pés ela tirou fotos. Percebendo que as fotos saiam
meio escuras ia se queixar ao seu pai:
-
Meu pai, por que é que as fotos que eu tiro tão saindo assim meio nas trevas se
eu as tiro em plena luz da lua do dia?
-
Deve ser um probleminha simples. Vamos levá—lo ao técnico.
E,
pai e filha vão até a assistência técnica. O técnico foi direto:
-
A princípio estou achando que é só um problema de configuração...
Essa
foi a parte boa, porém, ele continua:
-
Agora, se for outro problema, ele vai ter que ficar aqui para avaliação por no
máximo uma semana.
E
a moleca sai chorando daquela assistência abraçada com o seu pai.
Uma
semana depois, pai e filha vão buscar o celular na assistência técnica. E ela
pula de tamanha alegria com aquele aparelho nas mãos. Seu pai, todo orgulhoso lhe
da um beijinho na testa e diz:
-
Zele bem dele, Chiquinha. Tive que desembolsar cento e cinquenta reais devido
ao conserto desse danado.
-
Zelarei bem dele, meu pai.
Quando
a moleca descobriu que seu celular filmava ficou pirada de vez. Filmava todos e
tudo, inclusive ela mesma sorrindo que mais parecia o espírito da desgraça
engraçada. Porém, sua alegria durou pouco e, ela corre para clamar ao seu pai:
-
Meu pai, até ontem eu filmava tudo, hoje preteou tudo.
-
Vixi, minha filha! Até parece que esse celular tá com encosto! Temos que
levá-lo novamente no técnico.
E
novamente, mal acabara de abrir a assistência técnica pai e filha já estavam
lá. Dessa vez, o aparelho não ficou para avaliação não. O técnico foi direto:
-
Queimou o display e o visor. Por sorte de vocês eu tenho aqui os únicos que são
compatíveis a esse modelo avançado. Só que sai meio caro e...
Juarez
fica preocupado e muito nervoso:
-
Quanto?
-
Da pra sair os dois por cento e oitenta mangos.
-
Cuide bem desse celular, minha filha. Acho que tu gastando ele demais.
-
Tá bom, meu pai, gastarei ele de menos.
A
moleca assistia televisão no celular que só pegava um canal e ainda assim
chuviscando.
-
Olha pai que interessante: o cara tá na outra parte da terra, um planeta Globo
e eu consigo vê-lo daqui ó. Oía lá pai: até o Lula tá lá, ó...
-
Isso é a tecnologia avançada, minha filha.
-
O que?! Que é que o técnico tem haver com isso, meu pai?
-
Esqueça, minha filha.
E
a moleca de tanto mexer em seu celular consegue danificá-lo de vez: queima o
aparelho. Vai clamar ao seu pai e aquela rotina: o celular fica na assistência
por uns dias e ela chora feito um bezerro. Juarez desembolsa até o dinheiro da
dispensa para agradar a filha. A moleca sai da assistência técnica pulando de
alegria.
-
Minha filha, faz isso não, coração! Deixe de lado um pouquinho esse celular e
se esforce mais nos estudos.
-
Esforçarei-me meu pai.
E
ela, pulando corda com suas colegas com seu celular no bolso e, parece que o
celular também pula junto e se espatifa no chão. Foi peça para todos os lados.
Ela corre apavorada com a carcaça daquele celular para clamar ao pai, que desta
vez, lamentavelmente enfarta-se e morre. Ela corre para clamar a sua mãe e, sua
preocupação não era o falecido pai e sim, o diabo de seu celular. Sua mãe lhe
da uma surra da peste e diz:
-
Tome vergonha na cara, filha de uma rapariga bexiga. Matou seu pai por via
desta porcaria e quer me matar também? É made in Paraguai, se fosse ao menos
made in Bahia tu não ia apanhar tanto.
Pelo
menos, dessa vez Chiquinha tomou juízo. Esforçou-se nos estudos e conseguiu um
excelente emprego como empregada doméstica. No primeiro pagamento comprou um
celular do mesmo que tivera um dia. Ela queria recordar de seu pai. Bobinha, né?
doutorboacultural.blogspot.com/
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