Obra era uma cobra diferente das outras cobras. Quer dizer,
diferentes em partes. Era sonhadora e, seu maior sonho era o de poder voar,
assim como os pássaros que ela comia. Um sonho impossível é claro. Por causa
desse desejo que querer e não poder caiu em depressão. Fez até greve de fome.
Não saía de sua toca para nada.
Drinha, sua cobra madrinha foi visitar Obra e lhe dar bons
conselhos.
- Querida afilhada, esqueça esse mundo dos pássaros de ficar
voando. Nosso mundo é muito mais fantástico do que o deles. O barato é peitar o chão, como só nós cobras
fazemos.
- Peitar o chão?
- Sim. Rastejamos no pó da terra por causa do pecado de Eira,
a cobra primeira. Mas, isso é fantástico. Nenhum bicho é mais astuto do que nós
cobras.
- É verdade madrinha, mas, mesmo assim tenho sonho de Ícaro. Eu queria voar, voar, subir, subir. Fico olhando
para aquela montanha e queria muito fazer um turismo lá. Comer um pássaro nas
alturas deve ser muito bom. Mas, lisa do jeito que sou, sei que é impossível
chegar até lá.
- Esqueça essas tolices Obra. Não há como mudar o que o
Criador criou. Nós pegamos os bichos pelos pés.
- Esse negócio de peitar,
barrigar, ventrar o chão não ta com nada, madrinha. Não existe um bicho que
tenha mais dor de barriga do que nós cobras.
Drinha, vendo que não tinha outro jeito de tirar aqueles
sonhos malucos da cabeça de sua afilhada, diz.
- Bem, só existe uma maneira de você chegar até lá.
Obra nem piscava os olhos.
- Qual?
- De avião.
- Avião?! O que é isso?
- Tenha fé no catibiricobra e vai fazendo o rematobra
que chegará a hora do seu firififobra.
Obra fica confusa.
- O que?! A senhora enlouqueceu, cobra madrinha?
E Drinha vai embora sem dizer mais nada. Parece que ela
estava meio atrapalhada das ideias mesmo.
Sucedeu que um dia, a cobra Obra decidiu por fim em sua greve
de fome. Comeria até um homem caso encontrasse em seu caminho.
Em sua caminhada pela selva encontra-se com Avião. Avião?!
Sim, o grande gavião temido por muitos bichos. Obra o encara e o pergunta.
- Não vai ficar com medo de mim, não, seu pássaro gigante?
Olha que eu estou com muita fome, hein!
Avião, o gavião olha com desdém para a cobra Obra e lhe
pergunta:
- Você é macho ou fêmea?
Obra fica zangada e responde:
- É claro que sou fêmea seu pássaro gigante cego. Não está
vendo?
- Sei lá. Pra mim vocês cobras são todas iguais. Qual é o teu
nome?
- Meu nome é Obra e o seu?
- Avião.
Obra fica emocionada.
- Avião?! É o tal que minha cobra madrinha falou. Você é catibiricobra
e estou fazendo o rematobra pra ganhar o seu firififobra.
Avião, o gavião fica indignado.
- Cacilda! Até as cobras estão curtindo essa danada da droga?
Obra estava muito feliz por ter encontrado Avião, o gavião.
- Não vou te comer não, Avião. Não precisa ficar com medo de
mim. Tenho um ótimo negócio a lhe propor. Eu quero voar. Sentir o prazer de
estar nas alturas, compreende? E você pode realizar este meu desejo.
Avião, o gavião, protesta:
- Em primeiro lugar, dona cobra, gaviões não têm medo de
cobras. Fazer negócio com cobras é o mesmo que comer os restos da sogra. Pode
ter veneno. Morrerá sentindo este desejo de querer voar, de estar nas alturas,
porque não realizarei isso a você. Vou te comer aqui e agora.
Obra se apavora. Repara bem no grande bico de Avião, o gavião
e, até chora.
- Querido Avião, tudo bem, pode me comer, mas, pelo o amor do
voo da liberdade realize este meu grande
desejo. Eu lhe imploro de barriga porque não tenho joelhos.
Avião, o gavião, tinha um lado muito sentimental. Ficou com
pena da cobra Obra.
- Tudo, tudo bem. Vou realizar este seu sonho e desejo pelo o
amor do voo da liberdade, porém,
advirto-vos: não lhe comerei. Minha fome passou porque fiquei emocionado.
Obra afirma:
- Você realmente é um bom menino. Conseguiu comover-me
também. Está vendo aquela montanha lá? Não ali, lá.
- Sim, o que é que tem ela?
- Deixe-me lá.
E Avião, o gavião realiza o grande desejo de Obra, a cobra.
Ela até chora de pura emoção por estar voando presa pelos dedos de Avião.
Chegando lá, no pico da montanha, ambos aterrizam. No que
Avião da uma bobeira, comete um deslize, a malvada cobra Obra dá um bote só e o
engole vivo. Que bicho traiçoeiro!
Coitado de Avião, o gavião. Não confiava nem nos restos da
sogra, foi cair na lábia da real cobra veneno.
Não há como confiar em cobras. Pior é que existe muita gente parecida com elas.
doutorboacultural.blogspot.com/
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