sábado, 24 de novembro de 2012

SEM PRECONCEITOS



Meu nome é Magalisângela, sou morena-clara, cabelos tingidos de louro, olhos castanhos meio esverdeados, 1.50 m, 25 anos de alegria, tristeza, solidão e agonia.
A história que vou contar a vocês é real e aconteceu comigo. Podem soltar suas emoções e chorar porque isso é bonito e faz parte da vida meus irmãos e irmãs do mundo todo.
Conheci Jocrésio numa encruzilhada bem no seio de um cemitério num dia lindo de muita chuva. Era dia de finados e eu levava flores para a velha Cudores, minha falecida avó. Eu e Jocrésio nos apaixonamos no ato, ou seja: ele por mim e eu por ele. Nunca tive preconceitos: ele era gago, manco e não tinha um olho, além de um mau hálito da peste. Quando muito nervoso soava e lamentavelmente também peidava, mas isso é normal. Levei-o para minha casa e o alimentei, pois ele estava muito faminto. Jocrésio e eu nos casamos e o nosso amor era muito lindo.
Meu “cheiro” era pedreiro dos bons e tava no alto de um prédio rebocando quando levou um tombo e desceu rolando abaixo daquele prédio gigante. Sua coluna foi pro pau e por azar ele ficou impotente. Mas nosso amor era lindo e ele tinha mãos fortes e peludas que me faziam um carinho da hora. Meu “cheiro” passava o dia todo sentado numa cadeira de rodas e eu dava um duro danado para sustentar nossa humilde casinha na favela da Rocinha.
Numa noite de verão bem quente, ele me acariciava quando de repente uma bala perdida invade nossa casinha e se encontra com uma de suas mãos. Não teve jeito: sua mão direita foi amputada, mas ele ainda tinha a esquerda e, o nosso amor era lindo.
Jocrésio adoeceu de vez depois que perdeu aquela mão. Após sérios exames foi constatado que tinha diabetes, câncer do pâncreas e aí danou-se tudo. Como se não bastasse ele ainda ganha uma trombose e suas duas pernas com pés e tudo foram pro pau. Que estado miserável ficou este homem, meu Deus! Sua boca inchou e todos os seus dentes caíram; sua outra mão também foi amputada, mas ele ainda tinha braços, me fazia um carinho da hora com aqueles toquinhos e o nosso amor era lindo. Por tragédia do destino seus braços também foram amputados e, aí danou-se de vez mesmo.
Jocrésio teve três AVC, perdeu outro olho e também a fala, mas ele ainda tinha tórax e o nosso amor era lindo. Veio o diabo de uma ferida em sua bunda e aquilo não sarava nem com reza brava; ganhou uma coceira no ânus e eu tinha que ficar coçando pra ele até que meu “cheiro” dormisse. Isso era direto. Aquela ferida foi crescendo, crescendo que se multiplicou de certa forma que não teve outro jeito: seu ânus também foi amputado juntamente com o seu pênis e aí danou-se de danar-se de vez mesmo. A ferida se alastrou, comeu o tórax dele, as orelhas e, as narinas, seu pescoço e meu “cheiro” estava sumindo. Caíram seus cabelos, seus olhos cegos e ele ficou sem face, mas seu coração ainda batia tic tac e o nosso amor era lindo.
Eu não tenho preconceito, mas o homem ficou sem nada, gente! Até que um dia seu coração parou de bater e ele morreu. Fiz um pedido no necrotério e fui atendida: deram-me seu coração parado e eu tenho guardado ele até hoje em meu freezer porque nosso amor ainda assim continua muito, mas muito lindo.

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