sexta-feira, 30 de novembro de 2012

O CHORO DA FOME


Era uma cidadezinha abandonada, esquecida por todos e, inclusive fora do mapa geográfico. Nela não havia praças, jardins, comércio, etc. É claro que havia casas, porém, todas abandonadas.
Um dia, um andarilho de tanto andar chegou nesta cidade sem nome e estava com uma fome da peste, daquelas de fazer calos na boca do estômago. Ele tinha um saco de moedas nas mãos e tudo o que queria era matar a sua fome antes que ela o matasse. Circulou feito um louco subindo e descendo ruas e nada de encontrar um mercadinho ou um misero botequinho para ao menos comprar um ovo cozido ou em conserva. Bateu palmas nas casas pra pedir informação de que lugar maldito era aquele e nada. Não havia sequer uma alma vivente para atendê-lo. Ficou desesperado. Que diabo de lugar era aquele?! O sol de quarenta graus queimava até seu escroto e ele não estava nu não. Nem uma árvore para lhe dar sombras havia. Danou-se tudo.
Aquele andarilho pensou em voltar pelo mesmo lugar de onde veio, porém, se perdeu. Ele não lembrava que caminho fez para ter chegado ali. E agora? Morrendo de fome e sede lascou-se. O que mais se via naquela cidadezinha de ninguém era mato. Ele ficou com ódio do verde. Se pelo menos tivesse ali umas azeitonas estaria bom demais. Estava com tanta fome que via vultos a sua volta. Via porquinhos brincando e pensava logo numa porção de torresmos, bistequinhas ou linguicinhas. Eta fome da porca miséria! Andou léguas e mais léguas e não via gente não.
 Ficou surpreso quando ouviu um choro esquisito que mais parecia berros. Pensou animado: “Onde tem choro tem gente, ochente!” Bateu palmas avivadas:
- O de casa!
Não teve outro jeito: ninguém veio lhe atender porque naquela casa também não havia ninguém. O que ele fez? Invadiu aquela casa feito o sol desvirginando a madrugada e encontrou apenas um cabritinho amarrado berrando.
- Que coisa é essa agora?! Um cabritinho magrinho amarrado?! O bichinho está até verde de fome.
E o andarilho desamarrou aquele cabrito e o levou para o pasto. O que não faltava naquele lugar era mato. O cabritinho realmente estava com muita fome. O andarilho ficou observando aquele animalzinho comer capim e pensou: “E agora, Jeová Giré, meu Deus! Como mato a minha fome?”.
O cabritinho se fartou de tanto comer que veio até dar umas lambidas no andarilho como forma de agradecimento, talvez.
- Sai pra lá, fio da peste!
Com muita fome e muita sede o andarilho deixou pra traz aquele cabrito e continuou andando na esperança de encontrar pelo menos um ovo cru ou cozido, o que era mais difícil. Veio à noite e ele ficou mais apavorado:
- Que frio, fome e sede da peste! E agora?!
Deitou-se no mato e resmungou:
- Quem sabe uma cobra me engole e dentro dela eu coma suas tripas.
E ele dormiu chupando seus dedos. Sonhou que dentava um filé e acordou gritando porque quase lhe vai um dos seus dedos. Falou com Deus:
- O que é isso Jeová dos Giros?! Será que eu morri e não to sabendo? Tire-me desse lugar aqui, seu menino!
Andou léguas e mais léguas e nada. Aquele lugar fora esquecido até pelo diabo. Dobrou seus joelhos e novamente falou com Deus:
- Meu Deus, assim como eu matei a fome daquele cabrito atendei ao meu pedido: que seja frito, assado ou cozido, mate a fome deste andarilho, teu filho.
Desta vez, Deus não tardou não. Quem apareceu por ali a sua frente e lhe lambendo foi aquele cabrito. E o andarilho fraco das ideias porque estava muito fraco conversou com aquele cabrito:
- Está feliz, não é?! É claro: está com a barriga cheia. E eu?! Está achando que eu vou comer mato como tu, pobre diabo?!
Deixou o cabrito pra trás e andou léguas e mais léguas. Chorou muito que até desistiu de chorar. Opa! Parece que seu problema estava resolvido. Encontrou uma churrasqueira, um litro de álcool quase cheio, uma caixa de fósforos e até um saco. Pensou: “É carne”. Que nada! Tinha panelas de todos os tipos, frigideiras, talheres, etc. Ficou revoltado:
- Vou fritar, assar ou coser o que?!
E falou novamente com Deus e, desta vez intimando-o:
- Vai me enviar ou não um rango? Tem que ter muita fé pra lidar contigo, hein Giré!
Novamente, quem aparece por ali? O cabritinho lhe lambendo.
- Mas que diabo de cabrito! O que é que te prende a mim, Exu mirim?
E ele meditou, meditou com uma faca em mãos e disse para aquele cabrito:
- Bom, estamos sós aqui neste maldito lugar e, não tem outro jeito...
De repente, surge de uma das moitas da grande mata duas onças famintas: mãe e filha e atacam o andarilho e aquele cabrito. Mas elas devoraram aqueles dois! Que fim cruel teve aquele andarilho! Pelo menos, uma coisa é certa: o cabrito não morreu de fome.


doutorboacultural.blogspot.com/

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