domingo, 6 de abril de 2014

O ESCORPIÃO

Estava brincando debaixo da mangueira, observando as grandes saúvas com imensos pedaços de folhas. Algumas mais fortes carregavam até uma folha inteira de laranjeira. De repente levei um susto: um grande escorpião vermelho parado junto a uma raíz, bem perto de onde eu estava. Dei um pulo desajeitadamente para o lado e quase caí, mas recuperei o fôlego e chamei Junior e Robson:

- Venham rápido! Encontrei um escorpião!
Vieram correndo curiosos. Junior já foi gritando:


- Não deixe ele escapar. Vamos fazer umas experiências!

Escorpião sempre me meteu medo. Ouvia atentamente aquelas histórias escabrosas de que um escorpião podia matar até um homem, que sua picada era das mais doloridas do mundo e era o único bicho que se suicidava. Além disso, havia o mistério, pois eu nunca via um escorpião passeando por aí, como as formigas e abelhas, que também picavam dolorido, mas não eram criaturas capazes de matar ninguém.

A adrenalina corria solta. Seu tom amarelo avermelhado e aquela cauda ameaçadora com um grande ferrão em forma de gancho na ponta nos davam arrepios, mas nosso interesse em observar esse bicho misterioso mais de perto superava nosso medo. Fui logo pegar um pote de vidro para aprisioná-lo.

- Vai logo senão ele foge – Gritou Junior.

Robson que era mais destemido começou a cercá-lo com o vidro e parecia não se preocupar com uma possível picada do bicho. Também, pra quem já deixou de propósito a mão num formigueiro, daquelas vermelhinhas que picam pra valer, vários minutos só pra ver quanto tempo agüentava, um escorpião era moleza. Mas estávamos a quilômetros da cidade, então gritei:

- Cuidado! Se ele picar, já era!

Robson concentrado, nem me ouviu. Não demorou um minuto e a fera já estava dominada, dentro do vidro.

Não cabia em mim de tanta ansiedade. Dava pulos querendo ver de perto.

- Deixa eu ver! Deixa eu ver! – Gritava.

- Calma! Vamos com calma senão ele foge! – disse Robson.

- Vamos levar lá pra dentro. – Ordenou Junior.

Atravessamos o terreiro nos fundos da casa, subimos depressa a escadinha que dava pra cozinha e colocamos o vidro bem no centro da mesa, na sala. Por alguns momentos ficamos ali, nós três embasbacados olhando para o bichinho que agora parecia indefeso, mas ainda assustava quando erguia as patas dianteiras tentando escapar o vidro.

- O que será que ele come? – perguntou Junior.

- Sei lá. Vamos por alguma coisa aí dentro.

E catávamos entusiasmados tudo o que se podia imaginar. Resto de arroz, casca de pão e pedacinhos de folhas. Nada. Até que tive uma ideia:

- Vamos colocar uma saúva!

- Boa! – Robson exclamou

E lá fomos, eu e Junior, capturar uma saúva enquanto Robson tomava conta do vidro, observando em silêncio com a mão no queixo, como era de seu costume. Tivemos o cuidado de escolher uma formiga bem sarada, com aquele cabeção vermelho que botava medo. Seria uma briga boa e novamente corremos para dentro entusiasmados.

Quando chegamos, surpresa; Robson colocara o escorpião pra fora do vidro em cima da mesa e tinha um litro de álcool na mão. Ele disse:

- Vamos ver se ele se suicida mesmo.

- Primeiro vamos colocar a saúva perto, senão já era. – replicou Junior.

Com a formiga na ponta de um graveto e com um medo danado, Junior tentava soltar a saúva em cima da mesa, se esquivando ao menor movimento do escorpião. Quando a formiga se soltou, foi outro tanto de tempo pra apresentar um ao outro. Que coisa! Parecia que não se enxergavam. Finalmente a grande formiga foi na direção do escorpião e este meteu o ferrão na cabeça dela. Coisas da natureza, mas ou o escorpião estava sem veneno naquele dia ou a saúva é imune ao veneno do escorpião, pois a bichinha saiu andando como se nada tivesse acontecido. Dizem que um escorpião mata uma pessoa... Será?

A ansiedade para assistirmos ao suicídio era grande e logo esquecemos a saúva. Robson despejou álcool em círculo de modo que o escorpião ficasse bem no centro e ateou fogo. O bicho ficou parado um tempo, depois andou de um lado pro outro e nada de ferroar a própria cabeça como eu sempre ouvi dizer que ele faria.

A noite caía rápido no sítio e já cansados de observar o escorpião, resolvemos deixar a brincadeira para o dia seguinte, na terra, com lagartixas ou minhocas. Naquela velha casa a luz elétrica ainda não tinha chegado e por isso dormíamos bem cedo. Fomos comer alguma coisa enquanto ainda havia um restinho da luz do dia na cozinha e quando demos conta a noite já havia despencado sobre nós. 

Fechamos portas e janelas, acendemos uma vela e fomos para a sala, apreciar nossa criatura. Robson pingou a parafina derretida sobre a mesa e tentou fixar a vela próximo ao vidro quando de repente a vela caiu e se apagou. Que desastre! Tateando para encontrar a vela, Robson esbarrou no vidro e bleft! O vidro se espatifou no chão.

Nós três, descalços, na escuridão total, ficamos mudos. E agora?

- Cuidado! Devagar! – Sussurrou Junior, como se o escorpião pudesse escutar.

Robson ficou calado e eu nem se quisesse conseguiria falar. Imaginei a cara de Robson no escuro, com um meio sorriso nos lábios e gostando da situação. Fomos nos esgueirando pela parede, tateando vagarosamente até atingir a porta do quarto onde nos jogamos de uma só vez sobre a cama. 

- Cadê o fósforo?

- Ficou em cima da mesa.

E quem era bobo de ir pegar?

Será que ele viria se vingar, nos ferroando enquanto dormíamos? Ficamos em silêncio total, tremendo de medo, tentando escutar o caminhar do aracnídeo até que pegamos num sono nervoso e suado.

No outro dia a vela jazia apagada ao lado do vidro quebrado que serviu de cárcere ao escorpião. Ele nunca mais apareceu por ali. Deve ter fugido com medo desse bando de doidos.


Texto de Fernando Gomes Gonçalves



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