terça-feira, 8 de abril de 2014

A REVOLTA DE LULU


Ah se os humanos pudessem me entender! Estou completamente indignado com a forma que todos me tratam, principalmente como o meu ex-dono tratava-me. Poxa vida, Criador! Está certo que, até algum tempo atrás eu não tinha moradia, quer dizer, continuo não tendo,vivia nas ruas mendigando com meus olhos um pedaço de pão e, muita gente me dava, quer dizer: jogavam os restos no chão para mim; às vezes, em dias de chuva, eu agradecia quando via uma marquise de igreja ou de uma loja para que eu pudesse passar a noite. Então, sempre vinha uma pessoa chutar o meu traseiro e dizer com estupidez: “Sai pra lá, vira-latas”. Nossa! Quanta humilhação e falta de solidariedade para com um cão! Se ao menos entendessem minha língua.
Era uma noite fria de inverno e chovia muito. Fiquei aborrecido porque não achei comida em nenhuma das latas que virei. Que vila pobre! Nem sequer uma cabeça de galinha ou, pra ser mais humilde: um pedaço de pão duro encontrei. Era só lixo mesmo. Tinha preservativos, vidros de pimenta, papel higiênico usado, meias furadas, cuecas e calcinhas rasgadas, livros, revistas, jornais e gibis velhos, cascas de cebolas, etc. Naquela noite dormi com fome e, rezando para que ninguém viesse me chutar o traseiro na marquise da igreja. Parece que Deus ouviu minhas preces de pensamento: enviou um anjo de carne e osso para me tirar daquela situação. O homem me colocou dentro do seu carro e me levou para a sua casa. Que maravilha! 
Só detestei a gata Mimi que me deu uma olhada superior e arrogante. Mimi podia ficar dentro e fora da casa, tinha passe livre, mas, eu não. Era eu tentar entrar na cozinha, Mimi já me dava umas patadas na cara e, eu, telepaticamente dizia a ela: “Um dia eu te pego, malandra”.
Meu dono jogou lá na área um saco de estopa, deu de dedo no meu focinho e disse-me: “Teu lugar é aqui, entendeu Lulu?” A princípio já detestei o nome que ele me deu. Isso é nome de cadela de rico, caramba! Fazer o que? É assim que todos da casa me chamavam.
Minha função era cuidar da casa pelo lado de fora e, nunca vi antes uma casa ser tão visitada como aquela. Eu ia até o portão e latia, afinal, cães foram feitos pra isso. Ninguém queria falar comigo, é claro e, como se não bastasse ainda me olhavam feio. Vinha meu dono e gritava comigo: “Vai deitar Lulu”. Que raiva! Será que esse cara acha que cães adoram ficar deitados? Que babaca! Acho que todo cão odeia esta frase.
Numa manhã de domingo, eu estava sonolento demais, pois, na madrugada, os gatos, namorados de Mimi, não deixaram ninguém dormir. Não entendo por que diabos choram tanto os gatos mendigando amor. Quando eu protestava, de madrugada querendo intimidar os gatos, lá vinha meu dono me chamar à atenção: “Vai deitar Lulu”. Era a única coisa que esse babaca sabia dizer. Quando acabou aquela maldita miadagem, foi a vez dos passarinhos. Interessante: eles acordam e querem acordar todo mundo também com seus Piu-Piu. Eu com um sono insuportável e, pra completar, palmas no portão. Era um casal religioso e, dessa vez não lati, fui cumprimentá-los sorrindo e abanando meu rabo, quando a mulher me diz: “Vai deitar cachorro”. Aí eu protestei mesmo. Se eu pudesse pegá-la com meus dentes ela iria pensar duas vezes antes de me mandar deitar. O casal ficou sem entender, mas xinguei de todos os nomes, até que apareceu meu dono e gritou: “Vai deitar Lulu”.
Pois é, não aguentando mais esta vida de cão, fugi para as ruas de novo. Quem sabe aparece outro anjo de carne e osso para me adotar e, tomara que seja diferente daquele babaca. 

doutorboacultural.blogspot.com/

Nenhum comentário:

Postar um comentário