quarta-feira, 11 de março de 2015

HORAS DE AFLIÇÃO (15) O TREM




A vida é uma viagem curta incorporada neste fabuloso, fantástico, esplêndido e místico universo. É uma estrada longa repleta de estações. Quem dera pudéssemos estacionar na Estação Felicidade e permanecer nela para sempre, porque ser feliz é tudo. Eu acho.
Meu nome é Alessandra. O que importa o meu nome agora se, ironicamente o destino me surpreendeu? Sobreviver não é o mesmo que viver e, vegetar é o mínimo que alguém pode fazer para sustentar o seu fôlego de vida.
Eu tinha apenas três anos de vida quando fui obrigada a seguir um rumo diferente. Tudo era novo para mim até descobrir que a podridão existente no mundo é a resposta de que ele, (o mundo), nunca deveria ser criado, isto é: se é que existe um criador.
Eu estava acompanhada de meus pais numa estação de trem chamada Jundiaí, interior de São Paulo. Íamos com destino a capital. Um tumulto de pessoas naquela estação e, me perdi de meus pais. Entrei dentro daquele trem super lotado e, eu fiquei em pânico ao olhar pela janela e ver meus pais apavorados pedindo que aquele trem parasse. Gritei e chorei muito. Não. Eu não queria acreditar que aquilo estava acontecendo comigo.
Um sujeito estranho conseguiu me acalmar dando-me um pirulito e dizendo-me:
- Calma, garotinha. Tudo vai ficar bem. Sou amigo de seus pais.
Como criança é ingênua! Desci com ele numa das estações, que, nunca hei de me lembrar o nome e, minhas horas de aflição estavam apenas começando. Ele levou-me para um retiro, uma chácara, ou melhor, para o inferno. Dentro daquele lugar horrível havia uma longa escada e fui obrigada a descer com ele muitos degraus. 

Estávamos agora no fundo da terra. Meus gritos jamais seriam ouvidos ali. Ele me violentou, me abusou sexualmente, fazendo com que, até os dias de hoje eu tenha nojo de sexo.
Aquele lugar subterrâneo era o meu novo lar. Lá, nas mãos daquele maníaco psicopata eu seria sua escrava durante muitos e muitos anos. Onde estava Deus e o meu anjo da guarda naquelas horas? É óbvio que não estavam em lugar nenhum porque, ao menos para mim, eles nunca existiram.
Debaixo da terra, perdi a noção do tempo. Lá cresci alimentando de restos de comida, lavagem de porcos e, pior do que isso, sendo torturada. Convivi com o medo, com o trauma e, não conheci o amor em nenhum dos seus sentidos. Não estudei e, enfim, eu apenas tinha que viver para sustentar o apetite sexual daquele maníaco. Ninguém jamais é capaz de imaginar o quanto isto foi trágico e triste para mim.
Eu devia ter doze ou treze anos quando fiquei grávida daquele monstro. Ele mesmo fez o meu parto, oito ou nove meses depois, não sei. Naquele cativeiro nasceu uma linda menina que tive o desprazer de vê-la sendo morta pelas mãos daquele maníaco. Eu não tinha mais fôlego para gritar, nem forças para chorar. Eu era para ele apenas um corpo de carne que matava a sua fome.
Sim, apesar de não me olhar no espelho durante anos, eu tinha certeza de que parecia uma selvagem. Ninguém, nunca vai poder, sequer, imaginar isso.
O tempo passou e, nunca vou saber quanto foi este tempo.
Eu, uma selvagem, sem saber o que estava acontecendo no mundo lá fora, me libertei daquela escravidão. Sim. Nem um anjo ajudou-me a sair daquele inferno; nem Deus, nem o Diabo. Dou graças a mim. Única e exclusivamente a mim. Eu não sabia quantos anos eu tinha, mas, isso não me importava. Só queria sair daquele inferno, só isso. No cativeiro onde vivi a maior parte da minha vida havia uma porta e, esta dava acesso a uma longa escada. Naquele dia ela estava aberta. Subi os degraus. Nunca vou saber quantos degraus subi porque eu não sabia contar, mas, foram muitos.
Quando cheguei à saída estava escuro. Engraçado, mas, eu não tinha medo. Só para lembrar, eu era uma selvagem, cujo papel foi o destino que me deu. Em minha direção encontrei um cão tão selvagem quanto eu. Aquela fera queria me dominar, porém, foi dominada por mim que a matei com meus dentes e ainda comi boa parte do seu corpo.
Eu só queria encontrar uma única criatura que não posso e, nem devo chamar de gente. Aquele estranho que foi responsável pelo meu destino. Aquele que me destruiu em vida. E, graças ao meu ódio consegui encontra-lo entre as matas daquela chácara. Enfrentei aquele monstro com meus dentes e unhas. O matei. Posso ouvir até hoje o eco dos seus gritos de horror. As horas de aflição e desespero que ele passou. Tive o prazer de comê-lo vivo antes de sair daquele inferno.
Caminhei muito para chegar ao centro de uma cidade onde havia pessoas. Todos me olhavam com medo. Apesar de selvagem, eu era uma criança. Não sabia me expressar, conversar. Nunca ninguém me ensinou isso. Fui capturada pela polícia e, horas depois estava num manicômio. Com o tempo, uma grande mulher, Aidê, minha psiquiatra tirou-me de lá. Ensinou-me a ser gente, a falar, ler, escrever, enfim, era tudo o que eu queria. Sempre vou amá-la, porque até mesmo foi ela quem me ensinou a amar.

Livre do inferno peguei um trem com destino ignorado. Minha única lembrança era que eu tinha três anos e estava com meus pais numa estação chamada Jundiaí. Não lembro do meu sobrenome e muito menos dos rostos dos meus pais. Não me importa. Muito tempo passou mesmo e, hoje estou numa das estações da vida.

doutorboacultural.blogspot.com/


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