terça-feira, 3 de março de 2015

HORAS DE AFLIÇÃO (11) O MEDO



Não existe nada, absolutamente nada que seja mais aflitivo do que o medo. Ele sufoca, agoniza, atemoriza, interrompe nossos sonhos e é capaz de nos matar ou de nos transformar em homicidas.
A vida, na regra geral, é uma viagem curta. Tenho medo de fechar meus olhos e nunca mais acordar. Tenho medo de morrer. Tenho medo de pensar que tudo aquilo que ouvi falar desde minha infância sobre a imortalidade do espírito, da eternidade da vida, seja ilusão, mentira.
Meu nome é Aline. Nasci em berço cristão e, desde pequena fui doutrinada pelos meus pais que eram fanáticos religiosos, a não amar o mundo e nem o que nele há. Nunca aceitei isso, cem por cento, porque o mundo também oferece muitas coisas boas.
Minha infância foi marcada pelo medo. Eu era uma garotinha triste porque meus pais eram rígidos demais. Eu queria conhecer a praia, assistir televisão, usar brincos, cortar ao menos as pontas do meu cabelo, mas, tudo isso, segundo a minha doutrina, era proibido. Era pecado. Ouvia meu pai me falar que quem desobedecesse a Deus seria lançado no inferno, no lago de fogo onde está o Diabo e seus demônios. Lá seria atormentado por toda a eternidade.
Eu tinha medo daquelas orações altas e fervorosas expulsando demônios dos corpos dos membros da igreja. Por causa disso, eu tinha constantes pesadelos e acordava sempre assustada. Não tinha um sono tranqüilo como tem uma pessoa normal.
Meus pais não permitiam nem mesmo eu brincar com bonecas. Praticamente, eu não tive infância. Eu desejava muito, mas, muito mesmo ter uma irmãzinha para que me fizesse companhia, porém, não tive. Meus pais não conversavam comigo e, as frases que ouvia frequentemente da boca deles eram: “Isso não pode”. “Isso é pecado”.
Morávamos em Faxinal, uma pacata cidade do interior do Paraná. Eu tinha nove anos na época e era apaixonada por Alex, meu vizinho dez anos mais velho do que eu. Ele me olhava como uma criança que eu era, porém, eu, o olhava com malícia. Queria namorar com ele. Desejava seus beijos.
Um dia meu pai flagrou Alex me dando um bombom e, por causa disso, apanhei muito dele. A vergonha que passei foi muito pior do que a dor da surra que levei do meu pai. Fiquei de castigo, de joelhos sobre milhos lendo a Bíblia por umas quatro horas a fio. Alex nunca mais olhou para mim e, por causa disso, fiquei com ódio do meu pai.
Eu amava quando estava na escola. Lá sim, longe dos olhos críticos dos meus pais eu podia correr e brincar na hora do recreio com outras crianças. Minha melhor amiga era Anita, uma garota da mesma idade que eu. Ela não era evangélica, mas, também não era feliz.
Chorei muito quando meu pai me tirou da escola. Fomos morar num sítio e eu odiei isso. Dentro daquele sítio, um pouco afastado de Faxinal, havia uma igrejinha da qual meu pai era pastor. Sempre aos domingos, Anita estava lá para me ver.
O tempo passou e dele nada aproveitei. Com dezoito anos eu parecia uma senhora. Uma caipira do mato esquentando a Bíblia debaixo do braço. Eu desejava ser diferente.
Na minha igreja, pude ver muita gente sendo curada de diversos males, porém, eu queria que Deus Todo Poderoso me curasse também. Não tinha nem uma doença física, mas, carregava dentro de mim mágoas e muita revolta. Tinha nojo de homens porque achava que todos eles eram iguais ao meu pai.
Não concordo que devemos perdoar a todos. Existem pessoas que não são dignas de ser perdoadas. Por que Deus, que é o Criador e o Autor do amor, não perdoa o Diabo? Nenhuma resposta me foi convincente até os dias de hoje.
Numa tarde de domingo, a pequena igrejinha do sítio estava lotada. Tinha muitos visitantes de Faxinal e outras cidades do Paraná. Meu pai, o pastor daquelas ovelhas dirigia o culto avivado, fazia orações fervorosas impondo suas mãos sobre as cabeças dos doentes e, realizando seu dom de cura. Depois era a vez de a irmandade contar seus testemunhos. Eu também tinha um testemunho para dar e subi no púlpito. Tirei minha blusa, meu sutiã, minha saia longa e fiquei só de calcinha fazendo calar a todos, inclusive o meu pai. Sei que fui imoral. Não respeitei nem os idosos e nem as crianças, mas, eu estava com muita raiva. Peguei estupidamente o microfone das mãos do meu pai e falei:
- Este homem que todos vocês veneram, chamando-o de homem de Deus tirou a minha virgindade quando eu ainda era uma menina. Vejam os hematomas em meu corpo. Alguns são recentes. Tive medo desse maníaco boa parte da minha vida, quero dizer, vida?! Que vida é esta que vivi até o dia de hoje? Daqui pra frente e, vocês são minhas testemunhas, tenho certeza de que vou viver uma vida de verdade. Vou fazer tudo àquilo que sempre tive vontade de fazer e não fiz porque este crápula me amedrontava. Quantas vezes disse para mim mesma: “Não. Eu não queria acreditar que tudo isso estava acontecendo comigo”.
Fiz uma pausa e chamei Anita que também estava presente.
- Esta é a minha namorada. A garota que eu amo de verdade. Quem de vocês vai me julgar? Vivi horas de aflição e desespero ao lado desse maníaco, querendo entender como é que Deus pode operar milagres usando esse psicopata como seu instrumento. De tanto eu ler a Bíblia, porque fui obrigada, aprendi que o Diabo também opera maravilhas. (Mateus 24: 24). Para terminar, cuidado com os falsos pastores que vêm até vós disfarçados de cordeiros, mas, que por dentro são lobos devoradores. Leiam Mateus 7: 15 a 20.
A vergonha que meu pai passou diante daquele povo que o olhava com muita revolta foi o suficiente para eu me vingar dele. Cabe a Deus agora conduzi-lo.
Hoje moro com Anita, a garota da minha vida. Creio, acima de tudo em Deus, porém, não sou fanática. Desvio-me do mal e acho que isso é exatamente o suficiente para agradá-lo.


doutorboacultural.blogspot.com/

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