domingo, 8 de março de 2015

HORAS DE AFLIÇÃO (14) IRONIA DO DESTINO


Não somos donos do nosso destino. Não sabemos sequer o que pode nos acontecer nos próximos minutos. A vida nos surpreende. Talvez um dia eu possa entender por que tive que ter esse destino em minha vida.
Meu nome é Amanda. Na época, eu tinha apenas três anos de vida. Meus pais Alcides e Alice eram as pessoas que eu mais amava. Eu era chamada pela minha mãe de presente de Deus, porque o sonho dos meus pais era o de ter uma criança. Minha mãe era estéril, não podia engravidar. Ficou surpresa aos quarenta e um anos quando ficou grávida. Nasci bonita, forte e saudável.
A vida poderia lhe roubar tudo, menos eu. Quando eu tinha três anos fui raptada por um casal de estrangeiros no portão da casa onde eu morava, em Navegantes, litoral catarinense, onde nasci. A partir de então, minha vida tomou um outro rumo. Tive um novo nome. Coincidentemente, o mesmo nome de mamãe: Alice.
O casal de portugueses que me raptou, me adotou me deram bons estudos, uma excelente educação e, isso, eu não posso negar. Porém, me raptaram e, isso, não pode ter perdão. É possível uma mãe esquecer que gerou um filho? Que amou este filho e, de repente, o perdeu? Pior do que isso, quantas horas de aflição meus pais passaram devido ao meu desaparecimento? Essa tragédia mexeu com o psicológico deles para sempre. Tirou-lhes muitas e muitas noites de sono. Como perdoar os autores desse crime?
Por outro lado, eu, uma menina na época fui obrigada a me calar. O que meus pais adotivos pensavam era que com o tempo eu iria me esquecer dos meus pais biológicos, porém, nunca os esqueci.
Quando eu tinha dezesseis anos joguei minha educação fora. Queria voltar para meus pais verdadeiros e, por isso, era uma garota revoltada. Por causa disso, apanhei muito deste casal de portugueses. Internaram-me num colégio interno e eu odiei isso. Como se não bastasse, tempos depois, meus pais me colocaram num convento. Fui obrigada a seguir um caminho, um preceito dos quais eu odiava. Como eu era uma moça bonita, já tinha dezoito anos, era virgem, fui abusada sexualmente por Alda, a madre superior daquele convento. Espero que hoje ela esteja queimando no fogo do inferno.

Fugi daquele convento e, a única coisa que eu mais desejava era me vingar de meus pais adotivos. Eu assassinei os dois com uma tesoura. Fui presa, é claro e, no presídio, minhas horas de aflição estavam apenas começando. Não. Eu não queria acreditar que tudo aquilo estava acontecendo comigo. Fui humilhada e torturada durante anos naquele presídio. Não quero me lembrar disso agora.
O tempo passou rápido demais, apesar de parecer para mim uma eternidade. Saí dali, daquele inferno de presídio com quarenta e cinco anos.
 Não tinha para onde ir e muito menos dinheiro para sobreviver. Não tinha amigos e, o meu maior de todos os desejos era poder voltar para o Brasil e rever meus pais, com esperança de que eles ainda estivessem vivos.
Conheci Abel, um amor de português que me ajudou de verdade. Ainda hoje o tenho como meu melhor amigo. Voltei ao Brasil. Quando cheguei a Navegantes, em Santa Catarina, meu coração estava aflito demais. Queria tanto rever meus pais! Não fora tão fácil assim. Fui ao cartório da cidade onde fui registrada e, não lembrava o meu sobrenome. Depois de muitas investigações e, isso durou mais de cinco anos, tive notícias de mamãe. Ela vendeu a grande casa após a morte de meu pai e foi viver em Pouso Alegre, em Minas Gerais. Ela estava num asilo e com o mal de Alzeimer. É muita emoção de mãe e filha que não se vêem há cinqüenta anos. Conversamos muito e prometi voltar naquele asilo para buscá-la. Quando estacionei meu carro, entrei naquele asilo, pude perceber o quanto o destino meu e de mamãe fora irônico. Minha mãe estava morta. Morreu a poucos minutos da minha chegada. Saudades, mamãe.




doutorboacultural.blogspot.com/

Nenhum comentário:

Postar um comentário