Felizberto era um sujeito feliz por demais da conta, sô!
Vivia sorrindo feito uma besta. O cabra tinha um otimismo nas veias fora do
normal que, tudo para ele era alegria, até mesmo a tristeza do Jeca. Tinha quarenta
anos, um pouco obeso, solteirão, cheio da grana, mas, miserável sacana. Morava
só em seu casarão e, por sinal, tinha um excelente bom gosto.
Sueli, sua empregada, tinha que dar um duro da porrada, pra
receber dele, um mísero salário. Felizberto ficava coçando o saco no sofazão
confortável da sala, enquanto a raquítica Sueli lavava, passava, cozinhava,
encerava, lustrava, enfim, o casarão tinha que estar vinte e quatro horas
limpo, cheirando a perfume francês.
Num domingo, bem na hora que Felizberto comia uma deliciosa
macarronada com frango assado e recheado com maionese, a campainha do seu
casarão toca. Que droga! Sua empregada estava de folga nesse dia e, ele mesmo
foi atender. Era Nelo, seu amigo de infância, que estava amarelo de tanta fome.
Convidou o amigo para entrar e ficaram um bom tempo na sala conversando. De
repente, uma pausa na conversa e “roonc”. Coitado de Nelo! Era sua barriga que
estava roncando. Ele desejava que seu amigo Felizberto o convidasse para
almoçar, mas, ao invés disso, ficou falando um monte de abobrinhas:
- O cabra tem que ser feliz porque a felicidade é tudo,
compreende? Tudo o que existe é feliz. Você já viu um pinto chorando? E uma
borboleta triste, já viu? Ela voa feliz e adora as flores dos jardins que
também são felizes.
De repente, “ROOONC”. Desta vez, o protesto da lombriga da
barriga de Nelo foi grande e alto, mas, o miserável Felizberto ignorou,
fingindo não ter ouvido nada. Nelo joga a primeira indireta:
- To sentindo um cheirinho de frango assado no ar, amigo.
Felizberto levanta sua perna direita, solta um peido bem
barulhento e fedorento: “BLUUMBLOSS”.
- Impressão sua, amigo. Falando em frango, até o frango é
feliz, sabia? Já sai do ovo um pinto, e o bichinho canta até sua mocidade. Você
já viu um frango chorando? Nem galos, nem galinhas choram amigo.
Nelo joga a segunda indireta, quase direta:
- Um franguinho assado cai bem no estômago, né amigo?
Felizberto levanta sua perna esquerda e solta mais um peido
barulhento e fedorento: “BLUUMBLOSS”.
- Cai bem demais, amigo. A felicidade das aves é interessante
demais, já observou? O passarinho, por exemplo, quando percebe que tá raiando o
dia, já canta. Eu nunca vi. Você já viu um passarinho chorando? Ele não chora,
porque ama a vida e, sabe que viver é bom demais, é ótimo.
Nelo não resistiu e, teve que falar:
- Amigo, estou com muita fome. Tem algo pra comer?
Felizberto levanta as duas pernas e solta um senhor gigante
peido: “BLUUMBLOSS!!”
- Cinco minutos que tu chegasse antes, tu ia comer mais eu um
filé de peru, amigo. Agora não tem é nada. Quer dizer, tem água. Quer água?
- Aceito.
No que Felizberto vai para a cozinha buscar água, Nelo pensa
em acompanhá-lo. Só pensa, é claro.
- De jeito nenhum meu amigo de fé, meu irmão camarada. Fique
sentadinho aqui, que é um prazer imenso para eu servir um amigo sentado,
entendestes? Vai demorar um pouco, mas, vou lhe trazer uma água fluida divina
pelos espíritos e almas felizes. Não saia daí por nada. Aguarde-me.
E o miserável sacana de Felizberto volta para a cozinha e
termina sua farta refeição. Vinte minutos depois, aparece na sala palitando
seus dentes.
- Vixi!! Esqueci sua água. Espere um pouco.
Nelo fica muito zangado:
- Não precisa mais água não, porque minha sede já passou seu
miserável. Não se tocou que estou com fome e, por sinal, muita fome mesmo?
Felizberto arrota: “DROONROO”.
- Pois é amigo. Cinco minutos antes que tu chegasse...
Nelo estava nervoso demais:
- Tudo bem! Tudo bem! Depois dessa, minha fome já passou.
Felizberto senta no sofazão, levanta sua perna direita e
solta mais um peido e, desta vez, foi aquele silencioso, que é o pior de todos:
“CHUIFSSS”. Nelo protesta:
- Está me mandando embora, é?
- O que é isso, amigo! Você nem chegou ainda. Você tem que
incorporar o otimismo, a alegria em sua vida, pois, só assim será
verdadeiramente feliz, compreende? Não tem que reclamar de nada. Tudo é lindo,
tudo é bom, tudo é ótimo. Por que chorar? Se bem que até o choro é lindo.
Bebezinhos choram e minutos depois já estão sorrindo. Isso só prova que os
pequeninos são inteligentes. Chupam os peitinhos da mamãe, sai aquele leitinho
já quente e, por que diabos eles vão chorar?
Nelo pra não encher a cara de porradas de seu ex amigo, o
deixa falando sozinho, mas, antes de ir embora, para nunca mais voltar, diz:
- Você não passa é de um grande miserável, sua besta
quadrada. Fui e não volto mais.
Felizberto friamente ainda lhe diz:
- Volte amanhã, amigo do peido. Quer dizer: amigo do peito.
Gente, uai, sô! Como é que pode existir gente desse tipo,
hein? Tudo bem que ser feliz é bom, mas, que felicidade bombada é essa?
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