quinta-feira, 24 de julho de 2014

A ESTANTE



Ana Cristina era uma grande mulher guerreira, trabalhadora. Ficou viúva de Rodolfo, um bom homem que lhe deu uma linda menina.

Júlia tinha apenas um ano de vida, mas, era esperta demais. Parecia entender tudo. Olhava atenta para um objeto e, nem piscava os olhos. Sabe-se lá o que a pequena Júlia imaginava.

Geralda, mãe de Ana Cristina era uma velha doente, acamada. Em nada podia ajudar a filha que, além de trabalhar fora, fazia os serviços domésticos. Era sempre aquela rotina de segunda a sexta: Ana Cristina acordava cedo, deixava a pequena Júlia na creche e ia pro trabalho. Quem cuidava da velha Geralda era Alda, uma boa vizinha.
Ana Cristina trabalhava como empregada doméstica numa casa de família. Ganhou de Leonora, sua patroa, uma linda estante, por sinal, muito grande e pesada. Leonora deixou bem claro:
- Ana Cristina, lhe dou de presente esta estante, madeira boa, fina e cara, porém, está com um dos pés quebrado. Bote um calço nela e boa.

Pensem numa estante bonita. A sala de Ana Cristina que era grande parecia agora pequena, porque aquela estante tomava um bom espaço.
Sucedeu que num dia de sábado, Ana Cristina estava atarefada demais com seus afazeres domésticos. Lavava roupas num tanquinho do lado de fora de sua casa e, de cinco em cinco minutos corria para a sala pra ver se estava tudo bem com Julinha. Que bonitinha! Ela assistia desenho animado na TV e nem piscava os olhos.
Alda, a boa vizinha, veio receber de Ana Cristina certo dinheiro por cuidar da velha Geralda durante a semana.
- Minha mãe tem lhe dado muito trabalho, Dona Alda?
- Não. Sua mãe é um doce, Ana Cristina. Nem parece uma retardada, uma débil mental, uma louca.
De repente, um barulho alto seguido de um estouro. Sim, o barulho era na sala. Ana Cristina corre para lá e aquilo que viu foi o motivo de sua loucura. Aquela imensa estante caída no chão. Nossa! Uma das veias de seu cérebro estourou. Só pode. Ela grita tanto, mas, tanto que soava até línguas estranhas. Uma loucura. Alda, a boa vizinha também grita e chora muito.
- Meu Deus! Meu Deus! Por que isso aconteceu? Coitada da pobrezinha Julinha.
Como a vida nos surpreende, gente! Como aquela estante foi tombar? Por quê?! Quantos “por quês” ainda iremos perguntar e quem vai nos responder?
Julinha era uma linda bebezinha adorável. Um anjinho de Deus, querida por todos. Quantas lágrimas! Pelo menos uns quatro homens fortes, bons vizinhos foram erguer aquela grande e pesada estante. Ana Cristina gritava, pulava e babava no quintal. Ficou realmente louca.
O que estava previsto acontecer, aconteceu. A estante caiu. Estava mal calçada, sei lá. Caiu, caiu. O que tem de acontecer acontece. Não entendemos os desígnios de Deus, mas, creio que Ele tem muito mais o que fazer do que ficar segurando uma estante. Onde estava o anjo da guarda daquela criança? Talvez brincando de esconde-esconde nas nuvens com outros anjos.
Não existe nada, absolutamente nada que seja mais lindo, mais puro do que um sorriso de uma criança. E agora, a culpa é de quem? Da mãe ignorante? Depois do fato ignora-se o ato. Não adianta ficar questionando feito um papagaio: "Mas, como isso aconteceu?". Mesmo que explique a causa para esse loro, ele não vai entender nada. Quem sabe pousou um pernilongo cansado de sua jornada sobre aquela estante e, esta não resistiu e por isso caiu. E a neném? Quem sabe uma família de cupins famintos e podólatras acabaram de comer o pé ferido da estante e, por isso, esta caiu. E a neném?
Uma criança é como um anjinho inocente. Não tem noção de que o perigo pode star presente até no amigo Vicente, num parente, num ausente, num presidente, num tenente, num demente, num deficiente, na gente, numa corrente, numa semente, numa mulher inteligente, num valente, numa mente, num paciente, num vivente, num ascendente, numa dívida pendente, num cachorro quente, em nossa frente, etc. Pode estar num poeta, num atleta, numa bicicleta, num pateta, não importa. O perigo pode estar numa porta, numa torta, numa morta, numa derrota, num agiota, num idiota, não é verdade? Está em toda parte. Numa arte, num biscate, num padre, num compadre, numa comadre, numa madre, num covarde. Que absurdo! O perigo pode estar em tudo. Está no mundo, num susto, num minuto, num assunto, num surdo mudo, num defunto, num presunto, num luto, num "vamos ficar juntos". É um dilema. O perigo pode estar num problema, num esquema, numa Maria Madalena, numa fêmea, numa alma gêmea, numa gema, numa algema. Diacho! O perigo pode estar num macho, num cacho, num riacho, sei lá. Pode estar num caminhar, num andar, num devagar, num apressar, num "olá", num "deixa pra lá", num cair e levantar, num "blá-blá-blá", no mar, num altar, num lugar ou em qualquer lugar.
E agora, o que dizer? Caiu, caiu. O perigo pode estar num fio, num tio, num assobio, num rio, num cio, num pavio, num pio, num "ninguém me viu", minha senhora. Pode estar numa sogra, numa nora, numa escola, numa cola, numa sacola, num "não me amola", num fora, num apavora, num "vamos embora", numa fofoca, numa foca, numa dorca, numa cobra, numa sobra, numa droga, numa Ioga, numa frota, numa bota, numa jóia, num nóia.
Como é triste a dor de perder um ente querido, meu Deus! Muitos protestam: “Difícil aceitar, se conformar.É muita injustiça".
Tem gente que é tão ruim, mas, tão ruim que odeia um final feliz de uma história. Por isso é que o perigo pode vir a todo instante. Pode estar num volante, num andante, numa amante, num diamante, num alto falante, num tratante, num ignorante e, até mesmo numa estante.


Ao erguerem do chão aquela imensa e pesada estante, uma surpresa que fez calar até a boca dos anjos: “Cadê Julinha, meu Deus?” A pequena Julinha, para surpresa de todos estava dormindo no colo de sua avó Geralda. Mas, como?
- Eu precisa ajudar minha filha Ana Cristina em alguma coisa. Desde que vi aquela estante, senti perigo. Com dificuldade, levantei-me desta cama e fui até a sala e peguei minha netinha trazendo-a para junto de mim.
Grande velha Geralda que hoje não está mais entre nós. Pobre Ana Cristina hoje está acamada, doente e, não varia das idéias. Quem cuida dela é a mocinha Júlia, uma grande figura.

Muitas vezes agimos como crianças que não têm noção do perigo. Achamos que nunca vai acontecer com a gente aquilo que vemos acontecer com os outros. Não somos como os diamantes no sol que duram para sempre. O perigo pode star num brilhante, num volante, num elefante, num restaurante, num ignorante, diante ou distante. Não importa. O perigo está em toda parte e, pode estar ao nosso lado também. Nada pode valer mais, possa ser mais valiosa, preciosa do que nossas vidas que são glórias e glórias e, esta é mais uma das minhas histórias.




doutorboacultural.blogspot.com





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