quarta-feira, 30 de outubro de 2013

O JOGADOR

Alegrete era um homem alegre, de bem com a vida, cabra da peste honesto, trabalhador, pai de família num total de oito bocas para alimentar já inclusa sua frágil e raquítica mulher que esperava a morte chegar a qualquer momento sentada numa cadeira de rodas.
Alegrete não tinha estudo não, mas, em compensação era um servente de pedreiro de mãos cheias, isto é: mãos calejadas, mãos de cabra macho trabalhador. De manhã cedo antes de o galo cantar o cabra já estava de pé com sua mochilinha nas costas levando a marmita para o seu trabalho.

Apesar de sua ignorância, o pobre sertanejo cabra da peste tinha suas ambições. Seu grande sonho era tirar sua mulher e seus sete filhos da boca da miséria, da favela onde morava. Então ele fazia sua “fezinha” na loteria. Se ele ganhasse compraria um sitiozinho e ali terminaria seus dias junto de sua família que tanto amava.
Depois de mais um dia árduo de trabalho Alegrete chega numa casa lotérica já com um jogo feito em mãos. Na fila conhece um cidadão de boa aparência que lhe diz:
- Senhor, não lhe conheço, porém, nunca me engano com as pessoas. Consigo ler em sua testa que serás um homem milionário. Só que tem um, porém: deixe de ser miserável.
Alegrete não entende.
- Miserável?!
- Sim. Não é fazendo um mísero joguinho que o senhor vai ser um milionário. As probabilidades de ganhar são praticamente, pelos cálculos matemáticos nenhuma. Deves fazer mais apostas.
- Mas o que eu tenho é pouco. Hoje recebi e meu dinheiro está contado para pagar minhas contas.
Aquele sujeito aparentemente simpático balança a cabeça e lhe diz:
- É por isso que pobre nunca tem nada, não ganha nada. Pare de pensar pequeno, miserável. A oportunidade não bate todos os dias em nossa porta. Olhe só para mim. Veja com teus olhos o sapatão de couro de jacaré adulto que estou usando. Minha limusine está no estacionamento. Até um tempo atrás eu era um miserável assim exatamente como o senhor. Ganhei várias vezes na loteca e continuo ganhando. Sabe por quê? Porque eu aposto, miserável.
Alegrete ficou tentado em fazer mais apostas, porém, ficou preocupado.
- Mas eu tenho família e meu aluguel vence amanhã e...
- Pare de se lamentar, miserável. Que aluguel que nada. Não tem vergonha de deixar sua família num barraco onde pagas aluguel? Compre uma casa, ou melhor: compre uma mansão. Isso é muito fácil.
- Fácil?!
- É claro. Deves jogar tudo o que tens e a hora é agora. Eu já lhe disse: nunca me engano quando bato meus olhos numa pessoa. Será um milionário.
E Alegrete tira de sua carteira todo o seu pagamento e faz mais apostas.
- Só vou deixar reservado o dinheiro do leite das crianças e...
E aquele sujeito balança a cabeça.
- Que pobreza! Pense em quantas vacas leiteiras poderá comprar quando ficares milionário, miserável.
E Alegrete não resiste à tentação: jogou todo o seu dinheiro. Até mesmo a reserva do leite das crianças foi pro pau. Na saída da casa lotérica ainda marca uma cerveja e um X Salada no boteco da esquina onde era freguês. Quer dizer: quem devorou o X e bebeu toda a cerveja foi aquele sujeito.
- Sinta-se um milionário a partir de hoje, meu senhor. Vá pra sua casa e abrace sua família e fique atento: nos próximos dias será um milionário.
E Alegrete chega a sua casa. Seus filhinhos já o esperavam no portão do cortiço:
- Papai, cadê o leite? Está no bolso?
- Papai, cadê meu pirolitinho?
Que tristeza! Alegrete mente para seus filhos.
- Papai não recebeu meus queridos.
Mal conseguiu dormir aquela noite. Ficou ouvindo o choro das crianças pedindo comida e leite. No dia seguinte foi trabalhar e não parava de pensar em seus filhos: “Coitadinhos! Mas, é por pouco tempo”.
Depois de dias de choro e lamentação ele passa na lotérica para conferir suas apostas. O cabra suava frio de tanta emoção. Aquele sujeito de lhe bate nas costas:
- Que satisfação revê-lo, meu senhor! Posso lhe ajudar a conferir suas apostas já que são muitas?
- Sim, é claro.
Alegrete não fez nem sequer um terno. Ficou triste, é claro. Aquele sujeito tenta animá-lo com um sorrisinho cínico e diabólico:
- Não foi desta vez, meu senhor! Não desanime. É exatamente assim que funcionam as coisas: hoje perdes amanhã tu ganhas.
Foi uma dureza da peste aqueles dias. Alegrete teve que pendurar uma comprinha no mercado da vila, pois seus filhos queriam comer. Quinze dias depois Alegrete pega o vale e vai direto para a casa sem olhar para aquela casa lotérica, porém, dá de cara com aquele sujeito.
- Está correndo de quem e de que, miserável?
- Estou indo pagar minhas dívidas.
- Que dívidas? Pare com isso, miserável. Quem paga dívidas é pobre e o senhor não é. Está escrito em sua testa que serás um milionário em poucos dias.
- Meu aluguel venceu e não paguei, meu senhor. O proprietário já está pedindo a casa e...
- Deixe de tolo, miserável! Recebestes?
- Sim.
- A hora é agora: aposte tudo o que tens.
- Mas eu não posso.
- Vai querer morrer pobre mesmo, não é? Dane-se então. Eu lhe avisei.
E Alegrete não resiste: todo o dinheiro do vale fica naquela casa lotérica. Endividado, ele já andava cabisbaixo. Devia pra Deus e para o mundo. Dias depois foi conferir suas apostas e ficou novamente decepcionado. Não ganhou nada e ainda teve que ouvir lorotas daquele maldito sujeito.
- Não faça cara de choro, miserável. Ganharás. Será um milionário nos próximos dias. Veja bem: estás registrado em seu trabalho?
- Sim, estou.
- Tens o nome limpo?
- Claro.
- Então, meu querido, estás fodido porque queres. Traga-me um holerite juntamente de seus documentos e vamos abrir uma conta bancária para o senhor.
- Mas, como?! Eu não tenho dinheiro nenhum para movimentar e...
- Pense adiante! Pense grande, seu miserável! Farás um grande investimento.
- Mas, eu não tenho nada para investir.
- Além de miserável o senhor é um analfabeto porreta, hein! O banco vai lhe dar um bom dinheiro, entendestes? Vai investir em tu, seu miserável.
E assim Alegrete com o auxílio daquele sujeito abre contas em vários bancos e consegue bons empréstimos de financiadoras para movimentar suas contas bancárias. Ingênuo como uma barata em fase de crescimento confessa para aquele sujeito de terno e gravata:
- Acho que o senhor caiu do céu mesmo. Consegui emprestar um bom dinheiro do banco e finalmente vou liquidar as minhas dívidas.
- Que dívidas, miserável? Vai começar de novo com esse papo de pobre, miserável?
- Meu aluguel vai pra três meses que está atrasado, vão cortar minha luz, minha água e...
- Deixe de ser leso filho de uma bactéria anã! Não se preocupe com picadinhos porque desfrutará das picanhas, seu miserável! Será um milionário nos próximos dias. Pegue essa grana que o banco lhe emprestou e aposte tudo porque a hora é agora.
- Será?
- É claro. Jogue tudo na loteria e considere-se desde já um milionário. Inclusive me empreste uma parte desse dinheiro que eu vou apostar para o senhor também.
E Alegrete tentado por aquele sujeito fez altas apostas na esperança de ficar milionário. Os dias passaram-se e ele além de não ganhar nada agora estava no vermelho: devendo pros bancos, pras financiadoras, etc. Danou-se tudo. Foi despejado do barraco da favela e foi parar com sua família debaixo da ponte. Sua mulher morreu com certeza de desgosto e foi enterrada como indigente. Seus sete filhos se perderam na vida: uns viraram trombadinhas, as meninas prostitutas e lascou-se tudo. Alegrete começou a beber e já não tinha mais pique para o trabalho de onde foi mandado embora também. Virou mendigo de rua. Deixou o cabelo e a barba crescerem e tinha só um único objetivo agora em sua vida de pobre miserável: encontrar aquele sujeito  e lhe dizer umas verdades e depois matá-lo. Pois é: aquele sujeito sumiu e a procura foi grande.
Num belo dia, Alegrete entra num finíssimo restaurante e, como estava maltrapilho demais foi barrado logo na porta. Só que ele tinha um olhar infalível. Pode ver lá no fundo daquele finíssimo restaurante uma de suas filhas curtindo o maior dos “Love” com aquele sujeito de terno e gravata. Alegrete furioso invade aquele lugar e dá uma surra da peste serena maldita naquele sujeito.
- Safardana desgraçado! Não me disse que eu ficaria milionário? Olhe só o meu estado, seu demônio!
E Alegrete pega o terno e a carteira daquele sujeito e vai embora.
- Não vou lhe matar não, mas, isso daqui é meu, é meu e meu.
Entra num boteco porque a carteira estava recheada e, tinha os joguinhos feitos que ele até pensou em rasgá-los, mas não fez isso. Depois de tomar umas pingas passou na casa lotérica e, opa! Era o único ganhador da mega sena. Ficou tão feliz que deu um beijo de língua na mocinha do caixa que não achou ruim não. Agora, ele só tinha um único desejo: queria encontrar aquele sujeito  e lhe agradecer, lhe dar um aperto de mão, um abraço e um beijo e depois mandá-lo para o inferno com vários tiros. Se bem aquele sujeito de terno e gravata estava certo quando dizia que Alegrete ficaria milionário, não é?


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