Alegrete
era um homem alegre, de bem com a vida, cabra da peste honesto, trabalhador,
pai de família num total de oito bocas para alimentar já inclusa sua frágil e
raquítica mulher que esperava a morte chegar a qualquer momento sentada numa
cadeira de rodas.
Alegrete
não tinha estudo não, mas, em compensação era um servente de pedreiro de mãos
cheias, isto é: mãos calejadas, mãos de cabra macho trabalhador. De manhã cedo
antes de o galo cantar o cabra já estava de pé com sua mochilinha nas costas
levando a marmita para o seu trabalho.
Apesar de
sua ignorância, o pobre sertanejo cabra da peste tinha suas ambições. Seu
grande sonho era tirar sua mulher e seus sete filhos da boca da miséria, da
favela onde morava. Então ele fazia sua “fezinha” na loteria. Se ele ganhasse
compraria um sitiozinho e ali terminaria seus dias junto de sua família que
tanto amava.
Depois de
mais um dia árduo de trabalho Alegrete chega numa casa lotérica já com um jogo
feito em mãos. Na fila conhece um cidadão de boa aparência que lhe diz:
- Senhor,
não lhe conheço, porém, nunca me engano com as pessoas. Consigo ler em sua
testa que serás um homem milionário. Só que tem um, porém: deixe de ser
miserável.
Alegrete
não entende.
-
Miserável?!
- Sim. Não
é fazendo um mísero joguinho que o senhor vai ser um milionário. As
probabilidades de ganhar são praticamente, pelos cálculos matemáticos nenhuma.
Deves fazer mais apostas.
- Mas o
que eu tenho é pouco. Hoje recebi e meu dinheiro está contado para pagar minhas
contas.
Aquele
sujeito aparentemente simpático balança a cabeça e lhe diz:
- É por
isso que pobre nunca tem nada, não ganha nada. Pare de pensar pequeno,
miserável. A oportunidade não bate todos os dias em nossa porta. Olhe só para
mim. Veja com teus olhos o sapatão de couro de jacaré adulto que estou usando.
Minha limusine está no estacionamento. Até um tempo atrás eu era um miserável
assim exatamente como o senhor. Ganhei várias vezes na loteca e continuo
ganhando. Sabe por quê? Porque eu aposto, miserável.
Alegrete
ficou tentado em fazer mais apostas, porém, ficou preocupado.
- Mas eu
tenho família e meu aluguel vence amanhã e...
- Pare de
se lamentar, miserável. Que aluguel que nada. Não tem vergonha de deixar sua
família num barraco onde pagas aluguel? Compre uma casa, ou melhor: compre uma
mansão. Isso é muito fácil.
- Fácil?!
- É claro.
Deves jogar tudo o que tens e a hora é agora. Eu já lhe disse: nunca me engano
quando bato meus olhos numa pessoa. Será um milionário.
E Alegrete
tira de sua carteira todo o seu pagamento e faz mais apostas.
- Só vou
deixar reservado o dinheiro do leite das crianças e...
E aquele
sujeito balança a cabeça.
- Que
pobreza! Pense em quantas vacas leiteiras poderá comprar quando ficares
milionário, miserável.
E Alegrete
não resiste à tentação: jogou todo o seu dinheiro. Até mesmo a reserva do leite
das crianças foi pro pau. Na saída da casa lotérica ainda marca uma cerveja e
um X Salada no boteco da esquina onde era freguês. Quer dizer: quem devorou o X e bebeu toda a cerveja foi aquele sujeito.
- Sinta-se
um milionário a partir de hoje, meu senhor. Vá pra sua casa e abrace sua
família e fique atento: nos próximos dias será um milionário.
E Alegrete
chega a sua casa. Seus filhinhos já o esperavam no portão do cortiço:
- Papai,
cadê o leite? Está no bolso?
- Papai,
cadê meu pirolitinho?
Que
tristeza! Alegrete mente para seus filhos.
- Papai
não recebeu meus queridos.
Mal
conseguiu dormir aquela noite. Ficou ouvindo o choro das crianças pedindo
comida e leite. No dia seguinte foi trabalhar e não parava de pensar em seus
filhos: “Coitadinhos! Mas, é por pouco tempo”.
Depois de
dias de choro e lamentação ele passa na lotérica para conferir suas apostas. O
cabra suava frio de tanta emoção. Aquele sujeito de lhe bate
nas costas:
- Que
satisfação revê-lo, meu senhor! Posso lhe ajudar a conferir suas apostas já que
são muitas?
- Sim, é
claro.
Alegrete
não fez nem sequer um terno. Ficou triste, é claro. Aquele sujeito tenta
animá-lo com um sorrisinho cínico e diabólico:
- Não foi
desta vez, meu senhor! Não desanime. É exatamente assim que funcionam as
coisas: hoje perdes amanhã tu ganhas.
Foi uma
dureza da peste aqueles dias. Alegrete teve que pendurar uma comprinha no
mercado da vila, pois seus filhos queriam comer. Quinze dias depois Alegrete
pega o vale e vai direto para a casa sem olhar para aquela casa lotérica,
porém, dá de cara com aquele sujeito.
- Está
correndo de quem e de que, miserável?
- Estou
indo pagar minhas dívidas.
- Que
dívidas? Pare com isso, miserável. Quem paga dívidas é pobre e o senhor não é.
Está escrito em sua testa que serás um milionário em poucos dias.
- Meu
aluguel venceu e não paguei, meu senhor. O proprietário já está pedindo a casa
e...
- Deixe de
tolo, miserável! Recebestes?
- Sim.
- A hora é
agora: aposte tudo o que tens.
- Mas eu não
posso.
- Vai
querer morrer pobre mesmo, não é? Dane-se então. Eu lhe avisei.
E Alegrete
não resiste: todo o dinheiro do vale fica naquela casa lotérica. Endividado,
ele já andava cabisbaixo. Devia pra Deus e para o mundo. Dias depois foi
conferir suas apostas e ficou novamente decepcionado. Não ganhou nada e ainda
teve que ouvir lorotas daquele maldito sujeito.
- Não faça
cara de choro, miserável. Ganharás. Será um milionário nos próximos dias. Veja
bem: estás registrado em seu trabalho?
- Sim,
estou.
- Tens o
nome limpo?
- Claro.
- Então,
meu querido, estás fodido porque queres. Traga-me um holerite juntamente de
seus documentos e vamos abrir uma conta bancária para o senhor.
- Mas,
como?! Eu não tenho dinheiro nenhum para movimentar e...
- Pense
adiante! Pense grande, seu miserável! Farás um grande investimento.
- Mas, eu
não tenho nada para investir.
- Além de miserável
o senhor é um analfabeto porreta, hein! O banco vai lhe dar um bom dinheiro,
entendestes? Vai investir em tu, seu miserável.
E assim
Alegrete com o auxílio daquele sujeito abre contas em vários bancos e consegue
bons empréstimos de financiadoras para movimentar suas contas bancárias.
Ingênuo como uma barata em fase de crescimento confessa para aquele sujeito de
terno e gravata:
- Acho que
o senhor caiu do céu mesmo. Consegui emprestar um bom dinheiro do banco e
finalmente vou liquidar as minhas dívidas.
- Que
dívidas, miserável? Vai começar de novo com esse papo de pobre, miserável?
- Meu
aluguel vai pra três meses que está atrasado, vão cortar minha luz, minha água
e...
- Deixe de
ser leso filho de uma bactéria anã! Não se preocupe com picadinhos porque
desfrutará das picanhas, seu miserável! Será um milionário nos próximos dias.
Pegue essa grana que o banco lhe emprestou e aposte tudo porque a hora é agora.
- Será?
- É claro.
Jogue tudo na loteria e considere-se desde já um milionário. Inclusive me
empreste uma parte desse dinheiro que eu vou apostar para o senhor também.
E Alegrete
tentado por aquele sujeito fez altas apostas na esperança de ficar milionário.
Os dias passaram-se e ele além de não ganhar nada agora estava no vermelho:
devendo pros bancos, pras financiadoras, etc. Danou-se tudo. Foi despejado do
barraco da favela e foi parar com sua família debaixo da ponte. Sua mulher
morreu com certeza de desgosto e foi enterrada como indigente. Seus sete filhos
se perderam na vida: uns viraram trombadinhas, as meninas prostitutas e lascou-se
tudo. Alegrete começou a beber e já não tinha mais pique para o trabalho de
onde foi mandado embora também. Virou mendigo de rua. Deixou o cabelo e a barba
crescerem e tinha só um único objetivo agora em sua vida de pobre miserável:
encontrar aquele sujeito e lhe dizer umas verdades e depois
matá-lo. Pois é: aquele sujeito sumiu e a procura foi grande.
Num belo
dia, Alegrete entra num finíssimo restaurante e, como estava maltrapilho demais
foi barrado logo na porta. Só que ele tinha um olhar infalível. Pode ver lá no
fundo daquele finíssimo restaurante uma de suas filhas curtindo o maior dos “Love”
com aquele sujeito de terno e gravata. Alegrete furioso invade aquele lugar e
dá uma surra da peste serena maldita naquele sujeito.
-
Safardana desgraçado! Não me disse que eu ficaria milionário? Olhe só o meu
estado, seu demônio!
E Alegrete
pega o terno e a carteira daquele sujeito e vai embora.
- Não vou
lhe matar não, mas, isso daqui é meu, é meu e meu.
Entra num
boteco porque a carteira estava recheada e, tinha os joguinhos feitos que ele
até pensou em rasgá-los, mas não fez isso. Depois de tomar umas pingas passou
na casa lotérica e, opa! Era o único ganhador da mega sena. Ficou tão feliz que
deu um beijo de língua na mocinha do caixa que não achou ruim não. Agora, ele
só tinha um único desejo: queria encontrar aquele sujeito e lhe
agradecer, lhe dar um aperto de mão, um abraço e um beijo e depois mandá-lo
para o inferno com vários tiros. Se bem aquele sujeito de terno e gravata
estava certo quando dizia que Alegrete ficaria milionário, não é?
doutorboacultural.blogspot.com/
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