Esta é uma história baseada em fatos reais. Dedico estas
poucas páginas da minha vida a todos aqueles que têm espírito metódico; que
estão atentos aos detalhes; que procuram conhecer minuciosamente a verdade;
que, só ela, consiste em rejeitar todos os conhecimentos já adquiridos que não
tenham fundamento racional.
A vida surpreende a todos com bons ou maus acontecimentos.
Surpreendeu a mim também. Casei-me muito jovem, sem quaisquer preparos filosóficos.
Talvez, fiz isso por acaso, por aventura; ostentando um subterfúgio desta vida
que é tão complexa. Sei lá.
Nos anos 90, já era pai de quatro filhos e casado com uma
mulher que nunca amei. Morávamos em Joinville, Santa Catarina. Nesta época,
conheci Glair Bender, a pessoa mais importante da minha vida. Então, descobri o
que era ter e como era fazer um amor de verdade. Eu tinha a meu lado, muito
mais do que uma mulher: Uma amiga, uma companheira que compartilhava bons e
maus momentos comigo. Ela não se importava se eu era bem ou não sucedido na
vida. Desde nosso primeiro encontro, em Curitiba, capital do Paraná, não a
enganei. Disse-lhe que era casado, mas, que não amava minha mulher. Glair não
queria fazer o papel de amante a meu lado e, logo depois, retornei a Joinville,
para resolver este quadro. Minha mulher não quis me dar o divórcio. Voltei para
os braços de Glair. Sim, esta mulher, importava-se com meus sentimentos; enxugou
muitas lágrimas dos meus olhos quando me via chorar pelos meus filhos. Glair
sempre me surpreendia; conseguia me persuadir, me aliciar como nenhuma outra.
Ela abandonou sua carreira de aero moça, preferindo perambular pelo mundo a
fora comigo. Não a obriguei a fazer isso. Fomos a São Paulo, depois para o Rio
Grande do Sul em busca de trabalho e moradia. Em Gramado, na serra gaúcha,
morávamos na grande casa de Dona Uma (uma católica fanática). Por sinal, era
uma casa muito bonita. Só que vivíamos de favor e, estava sendo difícil arrumar
nossa vida. Foi quando Glair me deu a notícia de que estava grávida. Fiquei
atônito de vez. Seríamos responsáveis por uma vida que estava prestes a vir ao
mundo. Minha irmã mais velha me ligou de São Paulo e, muito feliz, fui até seu
apartamento, na esperança de arrumar um cantinho para mim, Glair e a menina que
ia nascer. Dias depois, Glair também veio a São Paulo.
O senhor Luiz, pai de Glair investiu um bom dinheiro em nossa
união. Até então, morávamos numa república no bairro de Pinheiros, em São
Paulo, porém, não durou muito tempo. Saímos de lá porque não tínhamos sequer,
privacidade. Chegamos a Araraquara, interior de São Paulo e, ali, começava uma
nova história. Alugamos uma casinha e éramos felizes sim, porque, talvez, Glair
não se lembre por não querer lembrar-se dos bons momentos que ali passamos. Ela
foi à grávida mais linda que eu já vi em toda a minha vida.
Eu era dominador, mandão, mas, tinha o meu lado dócil também.
Quando eu acordava pela manhã e não via Glair a meu lado, fica “p”
da vida, mas, quando via melhor, tinha um bilhetinho dela:
“Bom dia, meu homem! Esta noite você foi maravilhoso como
sempre. Amo-te e sempre vou te amar. Fui buscar uns pãezinhos quentes pra gente”.
Quem duvidar, eu tenho este bilhete até hoje. Que mulher
extraordinária foi Glair em minha vida!
Nem tudo era maravilha em nossa vida, é claro. Vivíamos numa
dependência, numa opressão das piores por falta de dinheiro. No dia 14 de fevereiro,
passei um drama na maternidade em que minha filha nasceu. Nunca mais ei de
esquecer: uma mulher gritava de altas dores e aquilo me deixou completamente
comovido. A chefa das enfermeiras me chama numa sala e me diz:
- Não é a sua esposa, senhor. Caso queira que ela dê a luz
sem tanto sofrimento, estamos solicitando uma verba. Sabe como é, né? O governo
nos paga muito pouco e, calma! Não é muita coisa.
O valor era alto e eu, jamais poderia pagar. Certo compositor
escreveu que ás vezes, uma mentira ajuda um homem a crescer. Posso afirmar
que cresci naquele momento.
- Sim, eu pago. Quero que o parto da minha mulher seja sem
sofrimento, por favor.
- Mas, o senhor tem que assinar este papel.
Simulei um mal estar; dramatizei legal como um bom ator e
consegui enganar aquela equipe de estelionatários. Fui ao banheiro e, quando voltei, recebi a
notícia de que minha Glair passava bem ao lado de minha Fernanda, um nome que
eu escolhi. Eu, tomado por um sentimento assim bem sagaz, ardiloso, disse a
chefe das enfermeiras:
- Só vou assinar o papel na presença do meu advogado, pode
ser?
O que?! Que advogado, que nada! Ofereceram-me até um cafezinho
e pediram-me para esquecer aquilo. Achei melhor deixar quieto e não
denunciá-los.
No decorrer dos dias, semanas e meses, nos virávamos para
sustentar a casa. Foi tudo muito difícil. Reconheço que o pai de Glair nos
ajudou muito, mas, tudo finda um dia. A única filha que eu troquei fraldas dei
banho, papá foi Fernanda. Glair trabalhava como empregada doméstica e
eu ficava cuidando da minha princesinha. Meses depois, ela foi para a creche e,
tudo parecia que ia bem. Os pais de Glair queriam conhecer a netinha e, daí
começou nosso drama. Levei Glair e Fernanda para a capital e de lá, elas
viajaram para a cidade de Criciúmal, interior do Rio Grande do Sul. Fernanda
fez o maior escândalo em meu colo. Não queria sair dele não. Eu acho que esta
princesinha já sabia que, o destino daquela viagem, iria nos separar para
sempre. Combinei com Glair:
- Tudo bem, a gente se encontra em Dourados, no Mato Grosso.
- Amor, não vai me deixar lá naquele fim de mundo, no Rio
Grande, hein!
Voltei para Araraquara e, de cara fui cobrado por Dona
Marisa, uma agiota. Ela queria receber e, como eu precisava desocupar a casa,
foi um problema. Não tinha nada de valor naqueles móveis usados, com exceção ao
sofá que saiu o preço de um novo para reforma-lo. É claro que eu vendi. Glair e
Fernanda não voltariam mais para lá. Escrevi a primeira carta, (Rua Costa e Silva,
número 505, se não me falha a memória); não tive resposta. Escrevi a segunda
carta, depois a terceira e não tive resposta. Liguei para Glair várias e várias
vezes e, seus pais diziam-me que ela estava bem, já vivendo com outro homem e,
para eu tomar vergonha na cara e ir atrás dos filhos que eu abandonei.
Ameaçaram com polícia e tudo. Chorei muito, mas, muito mesmo por isso. A
história que minha filha Fernanda queria saber é esta, só que a outra parte da
história, Glair não sabe até hoje, a não ser que olhe profundamente em meus
olhos e ouça-me, porque, esta história não deixarei em papel. Não posso acusar
ninguém. Onde foram parar estas três cartas que escrevi? Glair, afinal, estava
ou não com outro homem em sua vida? O que mais eu poderia fazer? Esta verdade
eu vou levar ao túmulo e, talvez, um dia, os autores desta parafernalha que virou a
minha vida, reconheçam que erraram muito mais na vida do que eu. Quero que
saibam que, até hoje, eu não tenho o amor de nenhum dos meus filhos. Já sofri e
chorei muito por isso. Basta, agora.
doutorboacultural.blogspot.com/
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