Dizem que aqueles que nascem numa sexta-feira 13 não têm
sorte na vida não, Sô! Dizem que levam uma vida fútil, azarada em todos os
sentidos, cheia de tempestades de obstáculos e, que tudo que fazem da errado.
Isso aí é tudo besteira, superstição e crendice boba, viu Sô? Quando a vovó não
tem mais o que fazer na vida, porque seu tempo já está vencido, ela inventa um
bolo de abóbora com farinha de mandioca, melado e mel só pra ver a libertação
dos ventres de seus netinhos. E a vovó se diverte com isso.
Maria Marcolina nasceu num berço de ouro numa sexta-feira 13.
Só o berço que era de ouro, porque a coitadinha nasceu no caos de uma maloca
tão assustadora capaz de arrepiar os pelinhos escondidos de qualquer careca.
Uma favela com tiroteios vinte e quatro horas. Mas, isso não importa. Ela
nasceu num berço de ouro. As tetas de sua mamãe seca feita uma carne de sol
secaram de tanto que a bichinha mamou. Teve que dar pra belezinha água de coco.
Isso foi bom, porque, para quem não sabe, o coco limpa tudo. Qualquer imundície
que um sujeito tenha em seu organismo sai tudo, graças à água de coco.
Maria Marcolina cresceu numa pobreza miserável dos infernos.
Ia pra escolinha do sertão pernambucano, onde nasceu, descalça porque seus pais
não tinham condições de comprar nem sequer um chinelinho para ela. Os alunos
bem sucedidos na vida arrancavam folhas de seus cadernos e davam pra ela porque
seus pais não tinham condições sequer de comprar um caderninho para ela.
Coitadinha da menina. Mas, peraí! Ela nasceu num berço de ouro. Imaginem um
barraquinho pequeno e apertado. Gordos que não insistam em entrar porque não
dá, não cabe. Um barraquinho de madeira da boa todo coberto por aquelas telhas Eternit.
Até que era um barraquinho bonitinho, Sô!
Sucedeu que, num dia de sexta-feira 13, Maria Marcolina
voltava da escolinha e, no caminho cruzou com um gato preto. Vichi! Seus pais
retardados como muitos por falta de oxigênio no cérebro diziam que isso dá
azar. Maria Marcolina pegou aquele gato e o levou para o seu barraco e, seus pais, numa estúpida ignorância abandonaram a molequinha que tinha apenas nove anos, por causa daquele gato. Adivinha quem é que agora dormia no berço de ouro? Claro, ela mesma,
enquanto Blackout, seu gato, dormia no sofá úmido, mofo com um perfuminho nada
agradável.
Maria Marcolina não cabia mais em seu berço de ouro e, quando
pensou em vendê-lo foi tarde. Roubaram o berço. Ela chega da escolinha e, cadê
o berço? Vê Blackout comendo um filé de peixe numa boa, tranquilo feito Jó na
rede e pega uma vara e sai correndo atrás do gato.
- Seu sem vergonha! Trocou meu berço de ouro por um filé de
peixe?
Vai saber, não é? Quando eu falo que gatos fazem qualquer
negócio por um peixe tem gente que duvida. Ainda mais por um filé de peixe, Sô!
Maria Marcolina perdoou seu amiguinho Blackout e decidiu
mudar radicalmente de vida. Abandonou seu barraquinho e foi morar numa mata
virgem que, só perdeu a virgindade com a chegada dela e de Blackout.
Sucedeu que numa noite de sexta-feira 13 ela escuta uns
gemidos estranhos bem na janelinha de seu novo barraco feito por ela mesmo. E
aqueles gemidos eram tão apavorantes que deixaram os pelos de Blackout todos
arrepiados. E Maria Marcolina pergunta para o gato:
- Está vendo alguma coisa, Blackout?
- Miau! Miau!
- Que resposta vadia! Por que fui te perguntar?
E aqueles gemidos estranhos foram aumentando, aumentando,
deixando Maria Marcolina e Blackout assustados e, digo mais: Era quase meia-noite
e dava pra ouvir nitidamente os piares dos bem-te-vis e de toda a espécie de
pássaros que dormem cedo. Era uma corrida voadora danada de corujas e morcegos
atrás dos pássaros que dava medo, Sô! Pra piorar tudo de vez, se ouvia também
uivados de cães e lobos, rinchos de cavalos, berros de cabritos e, vichi! De
onde veio essa bicharada toda, meu Deus?
Maria Marcolina cansou-se de seu medo e deu um grito tão alto
que fez Blackout correr longe:
- Chega! Pode parar, meu!
Maria Marcolina pega um pedaço de pau e sai para fora do
barraquinho pra descobrir, afinal, que diabos de gemidos eram aqueles. O que?!
Ela vê um velhinho marinho, franzino defecando bem atrás de seu barraquinho.
Ela fica furiosa, é claro.
- Seu velho nojento! Tanto lugar pra defecar e o senhor
resolve fazer isso bem atrás do meu barraco? Vá procurar sua turma seu
reumatismo cerebral.
E o velhinho, aparentemente humilde chora:
- Por favor menininha, não me bata. É que eu estou com umas
feridinhas e, quando a coisa sai dói muito, entende? Se não me bater prometo lhe
dar (ai! ai! ai!) um bom presente.
- Que presente é esse? Não me venha com bombom que isso já
está fora de moda.
- Não é bombom não, menininha.
- E não me chame de menininha porque isso é ridículo. Meu nome
é Maria Marcolina.
O velhinho tira de uma sacolinha uma folha de mamona, se
limpa e diz para Maria Marcolina:
- Siga-me Maria. Sou quase Jesus. Siga-me que lhe darei um
excelente presente.
- Espera aí, vovô! Nem mesmo sei o teu nome e já é quase meia
noite. Segui-lo pra onde?
- Meu nome é João Ferreira Bigulinho, um bom velhinho e,
cheguei nessa mata virgem agora porque sou apaixonado por passarinhos e aqui
tem muitos. Armei um barraquinho no pico daquele morro lá, tá vendo? Olhe ele
lá, tá vendo? Só defequei aqui na tua área porque não ia dar tempo de eu chegar
até lá, entende?
Maria Marcolina acompanha o velhinho até o pico do morro.
- Estou curiosa pra ver este tal presente. Agora se for
pegadinha, ou caso eu não goste do presente, lhe darei uma surra com este pau
aqui que tenho em mãos.
E quando Maria Marcolina vê aquele presente fica realmente
surpresa, mas, da uma cabaçada de pau da história mexicana naquele velhinho que
grita, baba e até peida. Lembram-se daquele berço de ouro em que Maria
Marcolina nasceu? Pois é, voltou a ser dela. João Ferreira Bigulinho, o
velhinho, deu um filé de peixe para Blackout para distrai-lo enquanto ele
roubava o berço. Se bem que com filé ou sem filé, o velhinho roubaria o berço
de qualquer jeito.
Maria Marcolina levou muita sorte na vida, Sô! Ela e seu
amiguinho Blackout foram pra São Paulo e, com o passar dos tempos era tudo
somente alegria. Maria Marcolina já era uma mocinha e, lamentavelmente seu gato
Blackout já estava velhinho.
Sucedeu que num dia de sexta-feira 13 saiu o grande sorteio
da bolada da mega sena e, adivinhe quem é que acertaram os seis números
sorteados? Sim, é claro: Maria Marcolina. Agora ela poderia realizar o seu
grande sonho que era o de morar em Aracajú, Sergipe. Pois é, Nenê! Só que ela
apostou e não jogou e por isso não ganhou nada. Mas, não importa, ela ainda
tinha seu fiel amigo Blackout e seu berço de ouro. Faz ideia de quando vale um
berço de ouro, Sô?
doutorboacultural.blogspot.com/
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