Meu nome é Josué. Tudo o que vivi, as
horas intensas de aflição e desespero que passei, jamais, hei de esquecer e,
mesmo que eu morra e acorde no Paraíso ou no inferno, minha dor não pode ser
esquecida, apagada, assim como que não houvesse nada. Isso não seria justo.
Tudo começou com a produção de açúcar na primeira metade do século XVI. Os portugueses traziam os negros africanos de suas colônias na África para utilizar como “mão-de-obra” escrava nos engenhos de açúcar do nordeste. Os comerciantes de escravos portugueses vendiam os africanos como se fossem mercadorias aqui no Brasil. Os mais saudáveis chegavam a valer o dobro daqueles mais fracos ou velhos.
Na época, eu tinha apenas sete anos. Era
uma criança diferente das outras, isto é: uma criança negra. Carregava o medo
na minha alma. O transporte de escravos era feito da África para o Brasil nos
porões dos navios negreiros, amontoados, em condições desumanas e, muitos
morriam antes de chegar ao Brasil, sendo que os corpos eram lançados ao mar.
Meu pai, por exemplo, foi lançado ao mar, assim, como se fosse um peixe podre. Eu amava
o meu pai. Ele sempre me falava que um dia seríamos livres.
Minha mãe era uma negra bonita, mas,
serviu como “mão-de-obra”, principalmente, para trabalhos domésticos. Sabe o
que é ver sua mãe, uma excelente cozinheira, uma ama de leite, ser abusada
sexualmente por um homem branco, português, senhor do engenho? E, pior do que
isso, como minha mãe era uma negra muito bonita, até mesmo os filhos dos
portugueses abusavam dela. Eu via tudo isso, sem poder fazer nada.
Nós negros éramos proibidos de praticar
nossa religião de origem africana ou de realizar nossas festas e rituais
africanos. Tínhamos que seguir rigorosamente a religião católica, imposta pelos
senhores do engenho e, pior do que isso, sob torturas, adotar a língua
portuguesa na comunicação. Foram horas de aflição. Apanhei muito para aprender
a falar a língua dos brancos.
Os brancos, os bárbaros que
comercializavam nós negros de forma cruel e desumana por toda a região da
América não era só os portugueses. Espanhóis e ingleses também.
Eu não tive infância. Tive que trabalhar
de sol a sol desde criança. Recebia apenas trapos de roupas e uma alimentação
de péssima qualidade. Fui tratado da pior forma possível.
Não tinha um sono tranqüilo como as
crianças brancas e, muito pelo contrário: tinha pesadelos constantes, porque há
qualquer momento, por puro prazer sádico, diabólico, eu poderia ser torturado,
abusado sexualmente pelos brancos, como fui muitas vezes.
Janaína devia ter a mesma idade que eu. Já
estávamos mocinhos. Ela era linda, mas, apesar de nos amarmos, ela não era só
minha. Tinha apenas que gerar filhos para aumentar a produção de escravos. Ela
me deu uma linda menina de nome Tainá. Eu a amava. Sabe o que é ver sua filha
de sete anos ser estuprada por um bando de moleques brancos e, você não poder
fazer nada? É claro que, naquela hora, agredi os moleques brancos e, porque fiz
isso fui punido da pior forma. Além de abusarem de mim também, passei noites e
noites na senzala (um galpão escuro, úmido e sem nada de higiene) acorrentado.
Sinto dores no corpo todo até hoje, pelas chibatadas de chicotes que levei dos
capatazes.
Eu não podia acreditar que tudo aquilo
estava acontecendo comigo. Nunca mais vi Janaína e Tainá, minha mulher e filha.
É lamentável saber que a escravidão é bem
mais antiga do que o tráfico do povo africano. Ela vem desde os primórdios de
nossa história, quando os povos vencidos em batalhas eram escravizados por seus
conquistadores. Como os hebreus, por exemplo, que foram vendidos como escravos
desde o começo da História.
No século de Ouro (XVIII) alguns escravos
conseguiam comprar sua liberdade após adquirirem a carta de alforria. Juntando
alguns “trocados” durante toda a vida, conseguia tornarem-se livres. Eu não
consegui isso.
Quando a Princesa Isabel aboliu a
escravidão no dia 13 de maio de 1888 com a promulgação da Lei Áurea, eu já
estava muito velho, praticamente, despedindo-me da vida.
Não existe nada, absolutamente nada que
seja mais prazeroso do que a liberdade. Hoje estou livre.
doutorboacultural.blogspot.com/
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