sábado, 21 de fevereiro de 2015

HORAS DE AFLIÇÃO (6) A CARONA



Meu nome é Jaqueline. Na época eu tinha 20 anos, era uma moça muito bonita, saudável e de bem com a vida. Cursava o segundo ano de Direitos na Faculdade de Campinas, interior de São Paulo. Meu sonho era ser uma advogada. Pena que não somos donos do nosso destino.
Eu era filha única e morava com meus pais em Mogi Mirim, aproximadamente 50 Km de Campinas. Pegar ônibus de ida e volta para a Faculdade estava sendo muito pesado para meus pais bancarem. Quase sempre eu pegava carona na rodovia. Estava ciente de que era arriscado isso, mas, optava sempre para a sorte. Só que para voltar da Faculdade eu vinha de ônibus, porque saía de lá muito tarde.
Numa tarde, quando eu estava na rodovia tentando pegar uma carona, um carro parou um pouco a minha frente e, corri em direção a ele, achando que era um conhecido. Era um homem estranho, com um semblante esquisito. Confesso que fiquei com receio de subir naquele carro, mas, subi, já que a viagem era curta. O silêncio daquele homem estava deixando-me aflita. De repente, ele parou o carro e fiquei gelada. Olha sério para mim e pergunta:
- Você não se importa se eu descer para urinar?
- Claro que não.
Pensei em fugir naquela hora, mas, não fiz isso. A rodovia estava bastante movimentada e, caso ele me atacasse, eu gritaria por socorro. Pensei. Aquele homem voltou para o carro e segui para Campinas. Graças. Para minha surpresa, deixou-me de frente a Faculdade.
- Bons estudos pra você, garota. Sempre passo por ali onde te apanhei, no mesmo horário. Se precisar de carona, estarei a sua disposição.
Fiz mal juízo daquele homem. Ele foi muito gentil e, acima de tudo, me respeitou. Peguei outras vezes carona com ele e, nos tornamos bons amigos. Roberto era o seu nome. Conversávamos muito.
- Você volta de ônibus para Mogi Mirim ou vem de carona?
- Volto de ônibus. Saio da Faculdade depois das 22 horas e, nessas horas, carona pode ser perigoso para uma moça.
Roberto sorri:
- Ainda bem que não sou mais estranho para você, não é? E uma novidade, Jaqueline: faço esse trajeto todos os dias, ida e volta. Moro em Itapira, vizinha de Mogi.
Que maravilha! A sorte parecia estar ao meu lado. Agora eu ia e voltava de carona para a Faculdade e, isso, me ajudou muito.
Numa noite de quinta feira, chovia muito e fazia muito frio. Eu estava tensa, nervosa, sentindo assim uma imensa vontade de chorar sem entender por que. Dei graças quando vi Roberto chegar de frente a Faculdade. Voltávamos para nossos destinos. A rodovia estava morta, deserta e, Roberto parou o carro. Passou as mãos em minhas pernas e disse-me:
- Você deve ser uma delícia na cama, Jaqueline. Quero te provar.
Senti nojo dele naquela hora. Aquele homem era um maníaco.
- Por favor, não faça mais isso.
Ele me beijou a força e odiei aquilo. A sensação de ser dominada, sem poder se defender é horrível. Fiquei com vontade de cuspir em sua cara. Nunca mais queria ver aquele maníaco. Como fui tola! Por que fui entrar naquele carro? Por que o destino colocou esse monstro em meu caminho. Eu estava aflita, sufocada dentro daquele carro e, ele me acalmou de uma forma cruel, covarde. Deu-me uma forte coronhada de revólver na minha cabeça e me apaguei.
As horas de intensa aflição estavam apenas começando para mim. Acordei nua e com os pés e as mãos amarrados. Era um cativeiro situado numa chácara onde passei os momentos mais horríveis e dolorosos que alguém possa imaginar. Fui humilhada, mal tratada, estuprada em todas as relações durante quarenta anos da minha vida. A cada minuto de todos esses anos eu desejava morrer. Sabe o que é ficar sem se olhar no espelho por quarenta anos? Não. Isso é difícil de imaginar. E tomar banhos gelados? Comer lavagem de porcos? E meus cabelos sem corte, assim como as unhas das mãos e dos pés? E quanto às torturas que sofria dia após dia nas mãos daquele psicopata? Não. Eu não podia acreditar que tudo aquilo estava acontecendo comigo. Como é possível que todo esse tempo ninguém prendeu aquele monstro e me libertou daquele cativeiro? Eu nunca vou conseguir entender isso. Eu mal sabia que lugar era aquele que eu estava. O único maldito rosto que eu vi nesses quarenta anos trancada naquele cativeiro foi o desse maldito psicopata.
Numa noite, aquele monstro que já estava bem velho se embriagou de vinho. Ficou muito alegre e bobo também. Graças a esse porre, ele caiu num sono profundo e, isso facilitou a minha fuga como já havia planejado há tempo. Antes de fugir dali, joguei fogo nele. Seus gritos de socorro foram horríveis. Corri apavorada para sair daquele lugar. O medo fez-me forte. Achei a saída daquela chácara. Corri por uma estrada de chão deserta sem nada de iluminação. Eu só queria saber que lugar era aquele. De repente, veio em minha direção um homem vestido de branco e, este sim estava iluminado. Era um anjo. Só podia ser.
- Por favor, senhor! Que lugar é este que estou?
Ele me responde:
- Aguaí. Caminhe mais um pouco e chegará ao centro da cidade.
É claro. Aguaí ficava próxima de Mogi Mirim onde eu morava. Fiquei sentada num banco da Praça da Matriz esperando clarear o dia. Não procurei a polícia e, pela primeira vez, estou contando esta minha história para o mundo.
Muito tempo passou. Eu já tinha 60 anos, mas, parecia ter 80. Minha aparência estava sendo assustadora. Peguei uma carona, (desta vez sem medo) para chegar em Mogi Mirim, a minha casa. Meus pais já haviam falecido. Tudo ali mudou muito. Ninguém me reconheceu ou fez de conta que não. Eu envelheci rápido demais e, da pior forma. Eu vegetei quarenta anos da minha vida. Hoje não tenho renda nenhuma porque nunca trabalhei. Vivo num asilo.



Ninguém, absolutamente ninguém é digno de nossa confiança. Seu destino pode lhe surpreender ao conhecer uma pessoa. Esta pessoa pode lhe oferecer boa amizade, amor sincero e, compartilhar com você momentos agradabilíssimos na vida. Por outro lado, você pode se surpreender com a vida, pegando uma carona como eu, por exemplo.


doutorboacultural.blogspot.com/

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