sábado, 28 de fevereiro de 2015

A FORMATURA DE ANA LÚCIA



Ana Lúcia era um pêssego. Linda, sensual, ingênua. Um doce. Quando ela saía para dar um passeio, a rapaziada entrava em paranóia: caía na porrada com boladas de sangue e tudo, por causa da ninfeta colegial que não ficava com ninguém e pronto. Cachorros e, não cadelas, podiam ser dos mais bravos, balançavam seus rabos como gesto de carinho, simpatia pela boneca loira de olhinhos tão azul feito o céu da catinga do sertão nordestino. Pele macia feita bundinha de bebê gordo; enfim, um “pêssego”, era essa boneca.
Ana Lúcia estava agitada, inquieta e muito preocupada. Ia fazer 15 anos e, afinal, esta data é realmente inesquecível para as mulheres, não é? A mamãe de Ana Lúcia alugou um salão do tipo e, pelo menos uns dois mil e um convidados estariam ali, no baile de sua formatura, não só pela “chopeidança e garapeidoces”, mas, pelo encanto da boneca real que falava, gemia e chorava.
Sucedeu que sua mamãe flagrou sua meninota (Ana Lúcia) chorando feito um bezerro abandonado na Etiópia. Ana Lúcia chorou a noite toda e, eu diria mais: Toda a noite. Sua mamãe só descobriu isso porque derrubou a porta do seu quarto com vários pontapés.
- Minha filha! O que houve? O que está havendo? O que havia ou o que haveria ou o que haverá com você, meu “pêssego em caldas?”.
Ana Lúcia desabafa e, sua mãe evita chegar perto dela.
- Caracas do Caribe, pô, pacas! Hoje completo 15 anos, minha mãe! Muitos colegas que são colegas dos colegas chegados dos amigos dos meus amigos estarão no baile. Muitos vão me convidar para dançar e, daí?! Chuleiará tudo.
Sua mãe tenta compreendê-la.
- Filhota, você dança melhor do que uma barata tonta dopada de inseticida. Dança melhor do que as pernas diabéticas da vovó bailarina universais.
E, Ana Lúcia se irrita.
- Pode parar, mamãe! Caracas do Caribe, pô, pacas! Eu danço e a dança sabe que eu danço porque eu danço, mora? Só que, cara, eu não posso abrir a boca que o povo vaza. Tenho um chulé de boca capaz de matar Joões, Joanas e até Joanetes.
Sua mãe tenta animá-la.
- Mamãe acaba de ter uma excelente idéia. Você vai tomar uma ducha universal bem demorada; depois vai mergulhar nuns perfumes franceses que eu tenho guardado; vai escovar seus dentes, gengivas e língua e, chupar uma bala de hortelã com cravo e canela e boa. E, por garantia, te peço: comporte-se no baile. Fique caladinha, sentadinha como uma rainha. Mantenha-se calada. Não abra a boca. É claro, você é muito linda (a cara da mamãe) e, a rapaziada vai querer convidá-la pra dançar. Seja gentil com a rapaziada, filhota. Não dance. Apenas sorria sem abrir a boca e balance a cabecinha querendo dizer “não”. Entendeu?
Ana Lúcia se anima.
- Caracas do Caribe, pô, pacas, meu! Parece que vai dar certo.
Sua mãe levanta o dedo e dá o último alerta:
- Lembre-se: Não abra sua boca, pelo amor de Deus.
E, pelas cinco da tarde começa a chegar à galera. Vixi! Tinha gente demais, sô! Ana Lúcia ficou comportadinha, sentadinha, como sua mãe lhe ensinou. Então veio o primeiro rapaz convidá-la para dançar.
- Aceita dançar comigo, flor das manhãs, tardes e noites?
Ana Lúcia, sorri sem abrir a boca e balança sua cabeça, dizendo “não”. O rapaz, bonitão, não insiste. Minutos depois, chega outro rapaz que mais parecia um modelo de tão belo.
- Dança comigo, linda?
E Ana Lúcia repete o gesto ensinado por sua mãe e, aquele “gatão” também não insiste. Minutos depois vem um gordinho, manquinho e, por sinal, fanho e gago.



- Ô mofinha, danfa co-comigo sósó uma músiquinha?
Ana Lúcia ficou imaginando de onde surgiu aquela coisa horrorosa. Repetiu o gesto ensinado pela mamãe, porém, o gordinho insiste.
Mofinha, vamos danfar sósó uma músiquinha?
Ela já estava perdendo a paciência. Bastou ele pedir mais uma vez, para que ela começasse a explodir. Tentou controlar seus nervos, chegou bem próximo da face do gordinho e disse-lhe baixinho.
- Eu não quero dançar, entendeu?
O gordinho fez uma cara de careta dos diabos e teve que dizer.
- Xiii!! Vofê peidou, né?
E Ana Lúcia se explode de tanta raiva e grita bem junto a face dele.
- Não, seu monstro! Eu não peidei.
O gordinho se apavora.
- Xiii!! Agora vofê cagou, né?
E Ana Lúcia sai correndo daquele baile e abraça sua mãe num choro convulsivo. Que tristeza!
 Quem sabe Doutor Boa pode ajudá-la, não é?

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

HORAS DE AFLIÇÃO (9) A RAINHA


Meu nome é José. Hoje estou velho. Não sei por quanto tempo ainda vou viver, mas, quero relatar aqui que já estou morto há muito tempo. O que presenciei em vida me fez calar e, sinto que vou me calar para sempre. Nem mesmo o tempo que é o senhor de nossas vidas vai conseguir me fazer esquecer o drama, a angústia, as horas de intensa aflição que passei.
Eu morava em Leme, uma pacata cidade do interior de São Paulo. Era uma casa simples, humilde, assim como eu, minha mulher e minha única filha. Meu vizinho era juiz de direitos e, não por isso, mas, era um homem arrogante, sisudo, ignorante e estúpido. Uma pessoa que estudou tanto para se tornar num homem frio, estranho. É lamentável. Ele morava ao lado de minha casa, porém, numa mansão. Eu desejava apenas que Deus lhe desse um coração diferente.

Regina, minha filha tinha apenas sete anos e, engraçado, quando eu perguntava a ela o que queria ser quando crescesse, ela me respondia: “Rainha”.
O muro alto do juiz, meu vizinho, separava nossas casas. Ele tinha um animal feroz, um cachorro da raça pitbull no jardim de sua mansão. Esse bicho latia, praticamente o tempo todo. Sei lá, não era um latido normal, como é do instinto de outros cachorros. Seu latido parecia transmitir ódio, raiva, como que, prazerosamente quisesse devorar alguém.
Minha filha brincava no quintal de minha casa, mas, brincava com segurança, pois, só para lembrar, o muro do meu vizinho era alto e, cães não são gatos. Um animal daquele tamanho jamais pularia aquele muro. Pois é, eu também pensava como muitos. Movido pela raiva, que, sem dúvida, é o pior de todos os sentimentos, aquele cão imenso pulou o muro. Ninguém nunca vai conseguir entender isso, como também isso não importa agora. Eu chegava do meu trabalho de carpinteiro nessa hora e vi aquela fera devorar minha filha e minha mulher com seus dentes caninos.
Sem dúvida, a raiva supera o medo. Peguei um machado, que foi a primeira coisa que vi na minha frente e enfrentei aquela fera monstruosa e maldita. Eu venci. Matei aquele bicho no meu quintal e gritei por socorro pelas vidas da minha mulher e filha que agonizavam. Eu tinha bons vizinhos e, logo, um deles apareceu de carro e fomos às pressas para o pronto socorro. Minha filha, minha única filha, aquela que queria ser rainha quando crescesse, morreu no meu colo, agonizando, expelindo sangue pela boca e narinas. Não. Eu não queria acreditar que tudo aquilo estava acontecendo comigo. Minha mulher sobreviveu, porém, seus olhos foram arrancados pelos dentes daquele monstro e, uma de suas pernas precisou ser amputada. Hoje vive numa cadeira de rodas.
Como se tudo isso não bastasse, roguei pela justiça divina que, até então ainda não alcancei. Estou preso por ter matado aquele cão e, sei lá, talvez, porque sou pobre, sem estudo e ele rico e juiz.
Meu instinto não é o instinto animal e assassino como o daquela fera. Precisei matá-lo porque as vidas da minha mulher e filha estavam correndo perigo. Creio que qualquer pai faria o mesmo que fiz.
Se você tem um animal feroz em sua casa, eduque-o, porém, mais importante do que isso: eduque a si próprio primeiro. Se não reinar o amor dentro de sua casa, o ambiente ficará carregado e, por incrível que possa parecer, os animais são sensíveis e sentem o peso desse carrego.
Adeus, minha rainha. O amor é capaz de superar tudo ou quase tudo. Menos a saudade.


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terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

HORAS DE AFLIÇÃO (8) O ESCRAVO




Meu nome é Josué. Tudo o que vivi, as horas intensas de aflição e desespero que passei, jamais, hei de esquecer e, mesmo que eu morra e acorde no Paraíso ou no inferno, minha dor não pode ser esquecida, apagada, assim como que não houvesse nada. Isso não seria justo.

Tudo começou com a produção de açúcar na primeira metade do século XVI. Os portugueses traziam os negros africanos de suas colônias na África para utilizar como “mão-de-obra” escrava nos engenhos de açúcar do nordeste. Os comerciantes de escravos portugueses vendiam os africanos como se fossem mercadorias aqui no Brasil. Os mais saudáveis chegavam a valer o dobro daqueles mais fracos ou velhos.
Na época, eu tinha apenas sete anos. Era uma criança diferente das outras, isto é: uma criança negra. Carregava o medo na minha alma. O transporte de escravos era feito da África para o Brasil nos porões dos navios negreiros, amontoados, em condições desumanas e, muitos morriam antes de chegar ao Brasil, sendo que os corpos eram lançados ao mar. Meu pai, por exemplo, foi lançado ao mar, assim, como se fosse um peixe podre. Eu amava o meu pai. Ele sempre me falava que um dia seríamos livres.
Minha mãe era uma negra bonita, mas, serviu como “mão-de-obra”, principalmente, para trabalhos domésticos. Sabe o que é ver sua mãe, uma excelente cozinheira, uma ama de leite, ser abusada sexualmente por um homem branco, português, senhor do engenho? E, pior do que isso, como minha mãe era uma negra muito bonita, até mesmo os filhos dos portugueses abusavam dela. Eu via tudo isso, sem poder fazer nada.
Nós negros éramos proibidos de praticar nossa religião de origem africana ou de realizar nossas festas e rituais africanos. Tínhamos que seguir rigorosamente a religião católica, imposta pelos senhores do engenho e, pior do que isso, sob torturas, adotar a língua portuguesa na comunicação. Foram horas de aflição. Apanhei muito para aprender a falar a língua dos brancos.
Os brancos, os bárbaros que comercializavam nós negros de forma cruel e desumana por toda a região da América não era só os portugueses. Espanhóis e ingleses também.
Eu não tive infância. Tive que trabalhar de sol a sol desde criança. Recebia apenas trapos de roupas e uma alimentação de péssima qualidade. Fui tratado da pior forma possível.
Não tinha um sono tranqüilo como as crianças brancas e, muito pelo contrário: tinha pesadelos constantes, porque há qualquer momento, por puro prazer sádico, diabólico, eu poderia ser torturado, abusado sexualmente pelos brancos, como fui muitas vezes.
Janaína devia ter a mesma idade que eu. Já estávamos mocinhos. Ela era linda, mas, apesar de nos amarmos, ela não era só minha. Tinha apenas que gerar filhos para aumentar a produção de escravos. Ela me deu uma linda menina de nome Tainá. Eu a amava. Sabe o que é ver sua filha de sete anos ser estuprada por um bando de moleques brancos e, você não poder fazer nada? É claro que, naquela hora, agredi os moleques brancos e, porque fiz isso fui punido da pior forma. Além de abusarem de mim também, passei noites e noites na senzala (um galpão escuro, úmido e sem nada de higiene) acorrentado. Sinto dores no corpo todo até hoje, pelas chibatadas de chicotes que levei dos capatazes.
Eu não podia acreditar que tudo aquilo estava acontecendo comigo. Nunca mais vi Janaína e Tainá, minha mulher e filha.
É lamentável saber que a escravidão é bem mais antiga do que o tráfico do povo africano. Ela vem desde os primórdios de nossa história, quando os povos vencidos em batalhas eram escravizados por seus conquistadores. Como os hebreus, por exemplo, que foram vendidos como escravos desde o começo da História.
No século de Ouro (XVIII) alguns escravos conseguiam comprar sua liberdade após adquirirem a carta de alforria. Juntando alguns “trocados” durante toda a vida, conseguia tornarem-se livres. Eu não consegui isso.
Quando a Princesa Isabel aboliu a escravidão no dia 13 de maio de 1888 com a promulgação da Lei Áurea, eu já estava muito velho, praticamente, despedindo-me da vida.

Não existe nada, absolutamente nada que seja mais prazeroso do que a liberdade. Hoje estou livre.




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segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

HORAS DE AFLIÇÃO (7) O INFERNO






Meu nome é Jesus. Não sei até hoje por que é que meus pais me deram esse nome. Talvez, porque eram fanáticos religiosos. Sei lá.
Acordei num lugar cinzento, muito triste. Ouvia muitos gritos, choro e ranger de dentes. Eu queria só entender como e o porquê de estar naquele lugar.
Um homem de feição horrível, assustadora, aparentemente um demônio, vestia uma manta vermelha, veio me saudar.
- Bem vindo ao inferno, Jesus!
Ele sabia o meu nome, mas, eu podia jurar que nunca vi aquele homem antes em minha vida. Eu não conseguia falar. Nem um som vocal saía de mim.
- Sua morada eterna será no lago de fogo e enxofre ardente.
De repente, eu me vi ali, agonizando junto a uma multidão de almas que vagavam aflitas naquele reino infernal. Não! Eu não podia acreditar que aquilo estava acontecendo comigo. Desejava morrer, porém, isso era impossível. Eu já estava morto, sem matéria, mas, vivo em espírito. Naquele reino infernal, eu viveria horas de aflição eternas. Sentia dores muito piores do que sente a carne. A dor da alma. Impossível de defini-la.
Naquele lugar horrível de tormento eterno, pensei em Deus e de como ele estava sendo injusto comigo. Não. Eu não merecia estar naquele inferno.
Na terra, nasci em berço evangélico. Meus pais eram cristãos rígidos. Não amei o mundo e nem as coisas que no mundo há. É claro que eu não era perfeito, porém, sempre gostei de praticar o bem. Não cobicei mulheres e, nem sequer, me masturbei, porque aprendi que tudo isso era pecado. Pedia perdão a Deus em lágrimas quando eu acordava com a cueca molhada. A podridão do pecado aparecia em meus sonhos apenas, por ter nascido no pecado.
O único livro que lia e relia era a Bíblia Sagrada. Não andava sem camisa ou de shorts nem mesmo dentro de minha casa. Não conheci praias, não tive hobbies, hábitos, vícios e nenhum tipo de entretenimento, lazer. Aprendi na minha doutrina que assistir televisão, ouvir música mundana, jogar bola, etc., era pecado. Enfim, minha vida era única e exclusivamente dedicada a Deus. Por que eu estava naquele lugar horrível de tormento eterno? O que fiz de errado em vida, afinal, para merecer esse castigo?
De repente, ouvi uma voz forte e suave me dizer:
- Tudo isso é sonho e, pior do que isso foi a ilusão que você viveu até agora.
Acordei. A voz que ouvi era de Deus e foi o suficiente para eu entender que minha mente fora manipulada desde minha infância. Quantas coisas tive vontade de fazer e não fiz por achar que era pecado.
Entendi que meu Criador não é um ser carrancudo, mal humorado que vive punindo seus filhos. Jogar bola ou praticar outros tipos de esporte não é pecado, assim como ler qualquer tipo de literatura. Aprender, conhecer, assistir televisão, ouvir músicas, faz parte da vida.
É óbvio que o inferno, o lago de fogo e enxofre ardente citado na Bíblia é simbólico. Só é mal interpretado na mente dos fanáticos e loucos. Como é que Deus, a Perfeição Maior lançaria suas criaturas num lugar de sofrimento eterno? Por pior que seja uma pessoa, pelos erros cometidos no percurso de sua vida, que na regra geral é curta, não iria merecer um castigo eterno. Isso não seria justo. Deus é Juiz e, acima de tudo é amor.
O que aprendi de bom em minha doutrina foi me desviar do mal, como más companhias, drogas, prostituição, roubo, mentira, etc., por outro lado, não tive infância e, como adolescente e jovem eu parecia um velho. Pior do que isso: sem conhecimento.
Minha doutrina, apesar de ser muito rígida, não me proibiu de namorar, porém, aquelas irmãs para mim, pelo jeito que se vestiam eram horríveis. Eu achava bonito as mulheres que se pintavam, que se depilavam e vestiam roupas elegantes. Não aquelas mulheres com excesso de cabelos, de pelos nas axilas e com trajes de velhas. Não me casei e nem tive filhos.




Hoje eu tenho 100 anos e, como creio que a vida terrena é única, posso afirmar que estive morto esse tempo todo. Vegetei acreditando em preceitos religiosos criados pelos loucos. Aprendi acima de tudo que a Bíblia é um livro sério e não deve e nem pode ser interpretada ao pé da letra como fazem muitos.

Não faça como eu. Viva intensamente cada minuto de sua vida, porque um dia, ela será interrompida e, será impossível voltar atrás.



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sábado, 21 de fevereiro de 2015

HORAS DE AFLIÇÃO (6) A CARONA



Meu nome é Jaqueline. Na época eu tinha 20 anos, era uma moça muito bonita, saudável e de bem com a vida. Cursava o segundo ano de Direitos na Faculdade de Campinas, interior de São Paulo. Meu sonho era ser uma advogada. Pena que não somos donos do nosso destino.
Eu era filha única e morava com meus pais em Mogi Mirim, aproximadamente 50 Km de Campinas. Pegar ônibus de ida e volta para a Faculdade estava sendo muito pesado para meus pais bancarem. Quase sempre eu pegava carona na rodovia. Estava ciente de que era arriscado isso, mas, optava sempre para a sorte. Só que para voltar da Faculdade eu vinha de ônibus, porque saía de lá muito tarde.
Numa tarde, quando eu estava na rodovia tentando pegar uma carona, um carro parou um pouco a minha frente e, corri em direção a ele, achando que era um conhecido. Era um homem estranho, com um semblante esquisito. Confesso que fiquei com receio de subir naquele carro, mas, subi, já que a viagem era curta. O silêncio daquele homem estava deixando-me aflita. De repente, ele parou o carro e fiquei gelada. Olha sério para mim e pergunta:
- Você não se importa se eu descer para urinar?
- Claro que não.
Pensei em fugir naquela hora, mas, não fiz isso. A rodovia estava bastante movimentada e, caso ele me atacasse, eu gritaria por socorro. Pensei. Aquele homem voltou para o carro e segui para Campinas. Graças. Para minha surpresa, deixou-me de frente a Faculdade.
- Bons estudos pra você, garota. Sempre passo por ali onde te apanhei, no mesmo horário. Se precisar de carona, estarei a sua disposição.
Fiz mal juízo daquele homem. Ele foi muito gentil e, acima de tudo, me respeitou. Peguei outras vezes carona com ele e, nos tornamos bons amigos. Roberto era o seu nome. Conversávamos muito.
- Você volta de ônibus para Mogi Mirim ou vem de carona?
- Volto de ônibus. Saio da Faculdade depois das 22 horas e, nessas horas, carona pode ser perigoso para uma moça.
Roberto sorri:
- Ainda bem que não sou mais estranho para você, não é? E uma novidade, Jaqueline: faço esse trajeto todos os dias, ida e volta. Moro em Itapira, vizinha de Mogi.
Que maravilha! A sorte parecia estar ao meu lado. Agora eu ia e voltava de carona para a Faculdade e, isso, me ajudou muito.
Numa noite de quinta feira, chovia muito e fazia muito frio. Eu estava tensa, nervosa, sentindo assim uma imensa vontade de chorar sem entender por que. Dei graças quando vi Roberto chegar de frente a Faculdade. Voltávamos para nossos destinos. A rodovia estava morta, deserta e, Roberto parou o carro. Passou as mãos em minhas pernas e disse-me:
- Você deve ser uma delícia na cama, Jaqueline. Quero te provar.
Senti nojo dele naquela hora. Aquele homem era um maníaco.
- Por favor, não faça mais isso.
Ele me beijou a força e odiei aquilo. A sensação de ser dominada, sem poder se defender é horrível. Fiquei com vontade de cuspir em sua cara. Nunca mais queria ver aquele maníaco. Como fui tola! Por que fui entrar naquele carro? Por que o destino colocou esse monstro em meu caminho. Eu estava aflita, sufocada dentro daquele carro e, ele me acalmou de uma forma cruel, covarde. Deu-me uma forte coronhada de revólver na minha cabeça e me apaguei.
As horas de intensa aflição estavam apenas começando para mim. Acordei nua e com os pés e as mãos amarrados. Era um cativeiro situado numa chácara onde passei os momentos mais horríveis e dolorosos que alguém possa imaginar. Fui humilhada, mal tratada, estuprada em todas as relações durante quarenta anos da minha vida. A cada minuto de todos esses anos eu desejava morrer. Sabe o que é ficar sem se olhar no espelho por quarenta anos? Não. Isso é difícil de imaginar. E tomar banhos gelados? Comer lavagem de porcos? E meus cabelos sem corte, assim como as unhas das mãos e dos pés? E quanto às torturas que sofria dia após dia nas mãos daquele psicopata? Não. Eu não podia acreditar que tudo aquilo estava acontecendo comigo. Como é possível que todo esse tempo ninguém prendeu aquele monstro e me libertou daquele cativeiro? Eu nunca vou conseguir entender isso. Eu mal sabia que lugar era aquele que eu estava. O único maldito rosto que eu vi nesses quarenta anos trancada naquele cativeiro foi o desse maldito psicopata.
Numa noite, aquele monstro que já estava bem velho se embriagou de vinho. Ficou muito alegre e bobo também. Graças a esse porre, ele caiu num sono profundo e, isso facilitou a minha fuga como já havia planejado há tempo. Antes de fugir dali, joguei fogo nele. Seus gritos de socorro foram horríveis. Corri apavorada para sair daquele lugar. O medo fez-me forte. Achei a saída daquela chácara. Corri por uma estrada de chão deserta sem nada de iluminação. Eu só queria saber que lugar era aquele. De repente, veio em minha direção um homem vestido de branco e, este sim estava iluminado. Era um anjo. Só podia ser.
- Por favor, senhor! Que lugar é este que estou?
Ele me responde:
- Aguaí. Caminhe mais um pouco e chegará ao centro da cidade.
É claro. Aguaí ficava próxima de Mogi Mirim onde eu morava. Fiquei sentada num banco da Praça da Matriz esperando clarear o dia. Não procurei a polícia e, pela primeira vez, estou contando esta minha história para o mundo.
Muito tempo passou. Eu já tinha 60 anos, mas, parecia ter 80. Minha aparência estava sendo assustadora. Peguei uma carona, (desta vez sem medo) para chegar em Mogi Mirim, a minha casa. Meus pais já haviam falecido. Tudo ali mudou muito. Ninguém me reconheceu ou fez de conta que não. Eu envelheci rápido demais e, da pior forma. Eu vegetei quarenta anos da minha vida. Hoje não tenho renda nenhuma porque nunca trabalhei. Vivo num asilo.



Ninguém, absolutamente ninguém é digno de nossa confiança. Seu destino pode lhe surpreender ao conhecer uma pessoa. Esta pessoa pode lhe oferecer boa amizade, amor sincero e, compartilhar com você momentos agradabilíssimos na vida. Por outro lado, você pode se surpreender com a vida, pegando uma carona como eu, por exemplo.


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sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

CAUSOS DA VELHA ADÉLIA (1) O BOBO


Tarveiz muito dóceis nunca viru de pertu o que qué um bobo de verdadi. Um home besta que num sabi falá dereitu, um anarfabetu que num sabe nem lê leitora, nem iscrivinhá letrura. Um retardadu que passa o dia coçano a bunda, as bolas do sacu; tirano meleca do narizi, rotano e sortano peidu deversus: doci, azedu, amargu e salgadu. O bocó inda fica rinu como uma caipera que é.
Diogo já naceu bobo. Deidi nenê jéra isfomiado. Conseguiu rança o bicu duma das tetas de sua mãe numa mamada. Coitada. Gordo feita uma sapa gráveda, só quiria cume. To pra dizê que uma persoa que comi muito só podi di sê boba.
Diogo creceu vagabondo. Num fazia nada pra Judá Júlio e Júlia, seus pai que trabaiava na roça. Os coitadu chegava in casa cheio de calus nus pé e nas mão e cuma fomi de imbreão e se deparava cum aquele balanga tocu cerveja locu, sortano peidu e rinu feitu um cavalu gordu. Que nojo! Inda zombava de seus pai:
- Seus bobo. Cêis tem que trabaiá pra sustentá Diogo, o gordu.
Que emondice de home! Vagabondo que já berava quarenta anus e nonca trabaiô na vida. Era um felho da pota.
Eu to pra dizê, fico aqui me assuntano que inté uma mardição dessa como o bobo Diogo pode di dá sorte na vida.
Sorgiu lá nu sertão de Menos, donde morava o bobo uma perfessorinha muito bunita e rica e, mesterioramente se paixonô pelo bobo. Pediu ele em namoro. Cêis sabe qué que Diogo feiz? Viro as costa prela, baxô seu carção e coeca e sortô um peidu. Inda dice:
- Chere meu gáis, Satanais.
Que inurtir! Que animar! Uma moça tão bunita e ele dispensá ansim do nada.
Socedeu que numa manhã de dumingu pareceu por lá uma moça que mais parecia a fome, a seca, uma briga de faca ou foice e, pediu os pé de Diogo in casamentu. Ele respondi:
- Claro que cazo cocê o ocê vai mora mais eu im minha casa. Vai drumi debaxo do corbertor e cherá meus peidu.
Coitados dos pai de Diogo. Tiveru que trabaiá drobado pra sustentá esses jato de lava cu. Ficava coçano a goiaba bichada e sortano peido e rinu o dia todo. Contá esse causo me dá uma réiva.

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quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

HORAS DE AFLIÇÃO (5) O PRÊMIO


Meu nome é Jeremias. No passado fui muito ambicioso, ganancioso. Eu queria ser rico, milionário, poderoso, achando que ter dinheiro era o melhor da vida. Nunca tive talento pra artes em geral, como também nunca gostei de estudar e, semianalfabeto, trabalhando como servente pedreiro, jamais conseguiria realizar o meu sonho que era o de ficar rico.
Eu pagava aluguel para morar num barraco de uma favela com minha mulher e meus cinco filhos num subúrbio de São Paulo. Às vezes, faltava comida em casa e, ver os olhos tristes dos meus filhos, bem crianças na época, me enchia de revolta. “Por que uns têm tanto e outros não tem nada?”. Nessas horas, eu tinha vontade de roubar, assaltar um banco ou um posto de gasolina, mas, eu era muito covarde para fazer isso.
Um dia, quando eu voltava do meu trabalho para o meu barraco, vinha em minha direção, Dona Emília, uma senhora bastante idosa que morava num dos barracos da favela que fazia parede e meia com o meu. Ela não percebeu, mas, deixou cair a sua carteira. Cumprimentei aquela senhora e, discretamente, peguei aquela carteira e, rapidamente, coloquei-a em meu bolso. Cheguei ao meu barraco, corri para o banheiro e, lá, fui conferir o que havia dentro daquela carteira. Fiquei admirado. Tinha quase dois mil reais em dinheiro, todos os documentos daquela senhora e uma receita médica. Coloquei fogo naqueles documentos, naquela receita médica e também na carteira. Aquela grana viera para mim no momento certo. Pensei.
Horas depois, eu e minha mulher e filhos escutamos o lamento, o choro e o desespero de Dona Emília.
- Eu perdi aquela carteira, meu Deus! Só dei conta disso quando cheguei à farmácia. Foram todos os meus documentos, todo o meu dinheiro da aposentadoria e, também aquela receita médica. Faça com quem a encontrou, que me devolva meu Deus.
Maria, a única filha de Dona Emília, era uma mulher especial. Além de sofrer ataques de epilepsia, tomava remédios controlados e, como se não se bastasse, tinha convulsões, sofria de asma e, não podia ficar sem medicação. Passou horas de agonia precisando ser medicada. Quando o Samu chegou à favela já era tarde. Maria morreu de insuficiência respiratória antes de chegar ao hospital. A pobre Dona Emília não tinha mais ninguém no mundo e, veio há falecer quinze dias depois.
Eu que não era nenhum pouco espiritualista, fui à igreja, dobrei meus joelhos, chorei, confessando a Deus o meu pecado, achando que Ele me perdoaria.
Depois disso fiquei com minha consciência muito pesada. Os pesadelos eram constantes. Que aflição! O que fiz foi terrível demais. Na verdade, eu não achei aquela carteira. Eu a roubei, porque a vi cair das mãos da velha Emília, uma excelente vizinha; Eu deveria ter lhe devolvido.
Um tempo depois, vinha em minha direção uma garotinha também moradora daquela favela. Eu ia pro trabalho e ela voltava a seu barraco segurando uma sacolinha nas mãos; Ela não percebeu, mas, perdeu oitenta e cinco reais em dinheiro e eu vi. Tudo bem. Era pouco dinheiro e, seu padrasto e sua mãe iriam entender. Pensei. Coloquei aquele dinheiro em meu bolso e segui o meu destino. Quando cheguei a meu barraco à tardinha, minha mulher me deu uma notícia desagradável.
- Lembra-se da Julinha, aquela garotinha bonita, enteada daquele monstro traficante? Pois é, o padrasto dela, além de estupra-la, a matou.
Senti como se meu coração fosse sair pela boca.
- Mas, por quê?!
- Parece que ela tinha cem reais nas mãos e voltava do mercadinho Aqui da vila. Perdeu o troco do que comprou e, antes de morrer, levou uma surra dos diabos do seu padrasto. Como aqui impera a lei do silêncio, ninguém fez nada. Provavelmente ele a enterrou em seu quintal, como quem enterra uma cadela. Coitada daquela criança! Sua mãe está em estado de choque.
Senti-me um monstro naquela hora. Se Deus me perdoasse, mesmo assim, eu recusaria o seu perdão. Se de fato existe o inferno, um lugar de tormento eterno, lá é o meu lugar. Até hoje tenho pesadelos horríveis e sofro de depressão. Na realidade, por minha causa, aquelas vidas se foram. Nunca vou me perdoar por isso. Aquela garotinha, a Julinha, brincava com meus filhos e sonhava em ser professora um dia. Teve uma morte horrível.
Era de meu costume fazer uma aposta na loteria. Eu jogava sempre os mesmos seis números. Fazia isso há anos. Um dia, quando eu voltava do trabalho passei numa casa lotérica para conferir o resultado do jogo e, embora eu não estivesse com o bilhete da aposta que ficou na minha carteira no meu barraco, não me importei. Eu sabia os números que jogava de cor. Fui o único ganhador. Voltei correndo para o meu barraco e, decepcionei-me de vez: a favela estava pegando fogo e tudo estava interditado. Minha mulher e meus cinco filhos morreram todos carbonizados, como muitas outras famílias.
Eu não podia acreditar que tudo aquilo estava acontecendo comigo. Mesmo sendo o monstro que eu era, eu amava a minha família. Eu é deveria ter morrido no lugar deles. É difícil acreditar, mas, naquela hora, vendo aquele fogo destruindo tudo, pude entender que o dinheiro não vale nada, pelo menos para mim. Tive nojo e ainda tenho de me olhar no espelho.


Por causa de dinheiro muita gente mata, destrói, não vive, vegeta. Enquanto eu ainda estiver vivo, jamais vou me perdoar pelo mal que causei por causa dele.


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HORAS DE AFLIÇÃO (4) SÍNDROME DO PÂNICO


Meu nome é John. É difícil para eu definir o enigma que virou a minha vida. Passei horas de aflição e muito desespero querendo acreditar que tudo aquilo que vivi e, que ainda vivo foi um pesadelo, é um pesadelo e, de que algum dia eu vou acordar.
Na época eu tinha 21 anos. Era um rapaz bonito, saudável e sem vícios. Eu trabalhava numa agência de publicidade em São Paulo, capital, desde os meus 14 anos. Comecei como office-boy e, com o tempo, me tornei num fotógrafo profissional.
Eu morava num lugar bastante afastado da capital São Paulo. Precisamente numa região próxima a Mogi das Cruzes, região metropolitana. Invadi uma área verde e, lá, bem no meio de uma grande mata construí minha casa.
Aline era a minha namorada. Uma doce garota loura que me preenchia em todos os sentidos. Combinávamos em tudo. Foi meu primeiro e único amor. Impossível esquecê-la.
Numa noite de sábado, eu e Aline estávamos indo a uma balada, como era de nosso costume. Não sei por que eu estava correndo tanto com o meu carro. Aline percebeu que eu não estava legal, mas, não me disse nada. Eu estava muito ansioso, assim, do nada. Meu coração palpitava acelerado demais. Sentia muita falta de ar, meus braços e pernas formigavam. Que sensação horrível! Freei o carro.
- Não estou legal, Aline.
- Já percebi isso.
- Não vou mais para a balada. Voltarei à minha casa e, você não precisa vir comigo se não quiser. Deixo-te lá na balada, estamos pertos e...
- É claro que vou com você para a sua casa, amor. Se bem que eu acharia melhor irmos para um hospital.
- Odeio hospitais e, já estou sentindo-me melhor.
Aline adorou o lugar que eu morava. Bastante místico e deserto, por sinal. Eu morava sozinho, isto é, eu e Rex, meu cachorro e meu melhor amigo.
Aqueles malditos sintomas retornaram. Entrei em pânico. Tive vontade de quebrar tudo à minha volta. Aline ficou muito preocupada.
- É melhor irmos a um hospital, John.
- Não! Já disse que odeio hospitais e, já estou ficando melhor. Só me deixe ficar calado um pouco. Não me pergunte nada. Vai passar. Já está passando.
Minutos depois já estávamos na cama curtindo uma noite prazerosa e inesquecível.
Uma semana depois, recebi um convite especial do meu chefe de trabalho. Iríamos para Amsterdam, na Holanda, a trabalho. Ficaríamos lá por duas semanas. Adorei isso. Era o meu sonho conhecer a Holanda. O problema era Rex, o meu cachorro. Ele não gostava de ninguém com exceção a mim. Deixei ração e água suficientes para ele por duas semanas e, por precaução, o deixei amarrado, mas, ele tinha sua casinha.
Despedi da minha amada Aline e, estranhei o que ela me disse:
- Não importa o que acontecer lá, lembre-se: Eu sempre vou te amar e, estarei lhe esperando.
Em Amsterdam, quando eu tirava algumas fotos, fui abordado pela polícia. Revistaram minha mochila e encontraram dentro dela, muitas drogas como crack, cocaína e maconha. Mas, como?! Desde que me conheço por gente sempre odiei drogas. Quem teria colocado aquelas malditas drogas na minha mochila? Eu só tinha o direito de permanecer calado, só isso. Fui muito humilhado, apanhei muito e fiquei um ano preso naquele inferno.
Perdi a noção do tempo. Para a polícia eu era um traficante e, pior do que isso: um estrangeiro. Foram horas constantes de aflição. Aquelas malditas crises voltaram a acontecer dentro da prisão e, a polícia assim como os detentos me chamava de louco.
Até o dia de hoje não sei quem me libertou daquele lugar horrível. Voltei ao Brasil e, nessas alturas, já não tinha mais celular e, a única pessoa que eu queria rever era Aline, minha namorada. Imaginei que ela estivesse com um novo namorado, mas, lembrei-me do que ela me disse: “Não importa o que acontecer lá, lembre-se: Eu sempre vou te amar e, estarei lhe esperando”. E, para minha surpresa, ela estava me esperando.
A cena mais triste e marcante que me ocorreu regressando ao Brasil foi o estado que encontrei Rex, meu cachorro. Ainda tinha a esperança de que alguém aparecesse por lá, naquele fim de mundo onde eu morava e tivesse libertado ele da corrente. Diante da caveira de Rex, dobrei meus joelhos e chorei muito.
- Perdoe-me, meu melhor amigo. Estive preso em outro país e, não teve como eu voltar antes.
Bem de frente a minha casa, havia uma imensa árvore e, bem debaixo dela, uma caveira humana. Movido de muita raiva peguei um machado e dei várias machadadas, destruindo-a de vez e para sempre.
- Seria homem ou seria mulher esta praga? Quem sabe não foi este monstro que matou o meu cachorro.
Movido pela raiva, creio que, o pior de todos os sentimentos, fiz em pedaços aquela caveira, que é claro, não sentia dor. Que tolo fui eu! Meu cachorro devia ter morrido de fome.
Voltei àquela agência de publicidade onde eu trabalhava para conversar com o meu chefe, porém, ele não quis me ouvir. Fui mandado embora por abandono de emprego. Foram oito anos de trabalho jogados fora. Não me importei com isso. Ainda tinha Aline ao meu lado.
- Eu tinha certeza de que um dia você voltaria para mim, meu amor.
Conversamos muito, Contei a ela tudo em detalhes o que me aconteceu lá na Holanda e, notei que pelo seu olhar, ela sabia de tudo. Não me disse nada, mas, provavelmente, foi ela quem me libertou daquela maldita prisão.
Numa noite de sábado, eu e Aline estávamos num motel em São Paulo. Tive outra daquelas crises horríveis. Desta vez, senti um calafrio insuportável. Uma sensação muito pior do que já sentira antes. Eu senti a presença real da morte. Eu estava agonizando.
- Aline, eu estou morrendo.
Fiquei vendo-a discar seu celular, provavelmente por socorro, mas, não deu para eu ouvir nada. Eu me apaguei e, não sei por quanto tempo. Acordei com dois policiais naquele quarto de motel e, Aline não estava ao meu lado. Ouvi nitidamente um dos policiais me dizer:
- Você está preso.
Senti-me sufocado. A princípio, pensei que tivesse algo haver com o fato que me ocorreu lá na Holanda. Antes fosse. Senti naquele instante que a vida tem dois lados e, um deles, é miserável, demoníaco. Para a minha desagradável surpresa, Aline, a mulher da minha vida, estava morta, totalmente esquartejada no porta-malas do meu carro. Alguém a matou, a cortou em pedaços e, este alguém não fui eu. Foi à cena mais horrível que pude ver em minha vida. Vida?! Quero dizer, o que significa vida que até hoje não consegui definir?
Eu não matei Aline. E agora onde estou? Preso e, pior do que isso: louco;

A vida nos surpreende com bons ou maus acontecimentos. Se você sentir algo estranho, uma sensação horrível dentro de você, não faça como eu. Procure um médico, pois, você pode estar louco e não sabe disso.



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sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

O HOBBIE DE UM MILIONÁRIO


José Ruela era um milionário. Tinha muitas terras, fazendas espalhadas no mundo todo. Um homem pacífico, bom, caridoso que gostava de todos. Era muito amado pela esposa e suas duas filhas e, também por seus empregados.
Não era religioso, mas, gostava de fazer caridades aos necessitados. Cria em Deus devotadamente e sempre agradecia a Ele por ter lhe dado tanta prosperidade.
Contudo, com tanta fortuna, ainda assim, José Ruela não estava satisfeito. Por que afinal? Seria por que ele queria ter mais? Nada disso. Não lhe faltava nada. Isso sem contar que ele era um homem saudável.
Sucedeu que numa manhã de domingo, José Ruela vestiu-se de pobre, (sim, daquelas roupas bem simples e, nos pés calçou um sapato velho e furado) e saiu caminhando por uma das vilas mais pobres de Curitiba, capital do Paraná. Escolhia as casas mais bonitas da vila e batia palmas no portão. Que estranho! O que será que ele queria? Veio uma mulher lhe atender.
- Bom dia, minha senhora! Estou carente de uma ajuda, pois, perdi tudo o que tinha e, nem teto para morar eu tenho.
Que cara de pau! Será que era esse o segredo de José Ruela ter ficado milionário? Nada disso. Então, por que diabos ele estaria fazendo aquilo? Logrando as velhinhas, pessoas de bem?
Ele ouvia de tudo nas casas:
- Vai trabalhar vagabundo.
- Não ajudo estranhos.
- Sim, eu posso ajuda-lo.
E as pessoas que lhe tratavam bem, com humildade, mesmo aquelas que não podiam ajuda-lo, ele, discretamente marcava o nome e o endereço numa cadernetinha.
O que deixava Zé Ruela furioso, bastante aborrecido eram as mentiras que muitos pais ensinavam a seus filhos, caso alguém batesse palmas no portão.
Numa das casas, veio uma garotinha atender Zé Ruela no portão. Zé Ruela diz:
- Chame o papai ou a mamãe para mim, garotinha.
E aquela garotinha já tinha o texto pronto:
- Meu pai está trabalhando e minha mãe está tomando banho.
Zé Ruela sorri irônico para aquela garotinha e diz:
- Diga para a sua mãe quando ela sair do banho que deixou de ganhar de mim, duzentos mil reais. Entregarei este prêmio à vizinha.
Que banho rápido foi aquele, meu Deus? Em questão de segundo, a mãe que estava vendo televisão na sala aparece ansiosa no portão da casa da vizinha, onde estava Zé Ruela.
- Oi querido, tudo bem? Queria falar comigo?
Zé Ruela olha dos pés a cabeça para aquela mulher e diz:
- Estou notando que a senhora é evangélica. Não devia ensinar sua filha a mentir. Advirto-vos que isso é pecado e, digo mais, irmã: acabou de perder a bênção. Sua vizinha que, por sinal, não estava tomando banho e, que humildemente veio me atender acaba de ganhar de mim, que sou um homem milionário, duzentos mil reais.
E aquela vizinha evangélica que ensinava sua filha a mentir, chora em desespero:
- Eu não podia perder esta bênção, meu Deus! Aleluias e glórias e glórias!
Zé Ruela prossegue:
- A verdadeira religião está dentro de nossos corações, irmã. Pratique o amor. Viva o amor. Noto que a irmã está arrependida e, diz as Escrituras que o arrependimento cobre uma multidão de pecados. Está ou não arrependida?
E aquela senhora dobra seus joelhos, chora aos pés de Zé Ruela e diz:
- É claro que estou. Aleluias! Glórias e glórias!
E Zé Ruela tira de sua sacolinha um pacotinho de balinhas e entrega para aquela senhora evangélica arrependida.
- Tudo o que eu tenho a lhe oferecer são estas balinhas, irmã da glória.
E aquela senhora fica zangada:
- Eu não quero estas porcarias. Isso aí eu mesma compro.
Zé Ruela balança a cabeça e pergunta para aquela outra vizinha humilde:
- Além dos duzentos mil reais, aceita também estas balinhas, vizinha?
E humildemente ela responde:
- É claro. Meus netinhos vão adorar.
Zé Ruela diz para aquela senhora evangélica:
- Novamente, perdeu a bênção, irmã da glória. Estão misturadas com estas balinhas bolinhas de diamantes avaliadas em mais de hum milhão de reais.
E aquela senhora evangélica fica literalmente tão louca, mas, tão louca que sai correndo gritando pelas ruas:
- Glórias e glórias.

E esta é mais uma das minhas histórias.


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quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

HORAS DE AFLIÇÃO (3) O ABORTO

Meu nome é Janaína. Este é um nome que meus pais me deram em uma das vidas que nasci na terra.
Meu pai era um milionário e, eu uma Patricinha mimada. Eu só conhecia o luxo, a riqueza e tinha aversão à pobreza, a miséria.
Eu tinha 21 anos e era uma moça muito bonita, porém, esta beleza era só por fora. Por dentro, eu era uma pessoa vazia, fria e calculista, com pensamentos irônicos, diabólicos. Não gostava de ninguém, em especial, as crianças.
Namorei um dos motoristas do meu pai e, sempre transávamos. Um dia me senti horrível. Um mal estar insuportável. Tinha muitas náuseas e vômitos e, é claro, depois de fazer alguns exames, descobri que estava grávida. Odiei isto. Queria me livrar daquele embrião que já estava há 12 semanas em meu útero. Procurei uma clínica clandestina e, lembro-me ter ouvido do médico:
- A criança que está dentro de você vai morrer de forma horrivelmente dolorosa.
Respondi friamente:
- Que morra.
Minha vida voltou a ser o que era depois deste aborto. Muitas transas, baladas, enfim, curtição. Nunca precisei trabalhar e, afinal, só pra lembrar: eu era filha de um milionário.
Apesar de eu viver tomando pílulas para não engravidar, lamentavelmente, engravidei. Voltei naquela mesma clínica clandestina e fiz outro aborto.
Um tempo depois, aconteceu outra vez e, desta vez apaguei na sala de cirurgia. Eu, Janaína, horas depois estava sendo velada. Que cena horrível! Eu não queria acreditar que aquilo estava acontecendo comigo. Eu assistia a tudo. Meus pais, parentes e amigos, toda aquela gente chorando e, eu ali, ao lado de todos eles sem poder ser vista, sem poder me manifestar, fazer qualquer coisa. Chorei e gritei muito, vendo-me dentro daquele caixão. Inútil. Ninguém podia me ouvir. No dia seguinte fui enterrada e, não existe nada, absolutamente nada que seja mais triste do que isso.
Eu que desejava tanto acordar daquele pesadelo real, acordei num mundo sombrio, frio, cinzento e muito triste. Não sei dizer com exatidão quanto tempo fiquei ali vagando, desejando viver, porque aquilo não era vida.
Um homem de branco, parecia um anjo, disse-me que eu regressaria à Terra. Esta notícia me deixou muito feliz, porém, este regresso não foi como eu imaginei.
Eu era um embrião e corria apavorado da morte. Um aparelho de sucção foi ligado ao útero daquela gestante assassina e foi feita a curetagem, uma raspagem do conteúdo uterino por um instrumento parecido com uma colher, chamado cureta.
Lembrei-me daquela clínica clandestina e, da minha conversa com o médico.
- A criança que está dentro de você vai morrer de forma horrivelmente dolorosa.
- Que morra.
Ah! Se eu pudesse apagar definitivamente estas horas de aflição que sofri. Correr da morte é a coisa mais terrível que alguém possa imaginar. Realmente morri de forma horrivelmente dolorosa. Isso foi necessário acontecer para que hoje eu possa entender o mal que causei em vida, abortando aquelas vidas. Regressei outras vezes à Terra e passei pelo mesmo processo da morte horrível. Passei por isso. Paguei por isso.
Hoje estou num lugar lindo, florido. Estou num paraíso rodeada de muitas crianças que, hoje adoro. Logo farei outro regresso à Terra e, desta vez, nascerei filha de pais pobres. Eu ainda tenho muito para aprender.
Não jogue fora a sua vida. Reflita muito antes de tomar decisões precipitadas, pois, depois, pode ser tarde demais para se arrepender. Pense nisso.



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quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

DESABAFOS DE UM TURCO GRIPADO






Beu nome bé Kubunda Kaleche. Beu bosda do Brasil, bas, nem de dodos bos brasileiros. Cheguei da Durguia bainda guando beu bera buma griança; Bengoli buídos beidos barra beu ser bo gue sou hoje.
Be gasei gon buma brasileira bonida be, bela be bodava chibre. Bela bera buma berdadeira bilha be buma buda. Badei bela borgue bum durgo não badimide ser draído, dendende? Biguei breso, bé glaro.
Guando beu saí da brisão, bonhecí boutra bulher gue bera dão bonida guando baquela gue badei. Desgobri gue ba bilha da buda dambém be draía be, desda bez gom bum negão. Badei bos dois. Bui breso novamente.
Graças bao beu bom bombordamendo na brisão, logo biguei libre. Bara ganhar ba bida gomecei ba dar baulas da língua borduguesa gue, bor sinal, beu balo buído bem.
Beu não guis saber bais be bulher be, bagora beu negócio bé boudro. Bassumi bob eu lado franga be bivo jundo be bum bindo lindo. Badchim!!

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segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

O FANTÁSTICO MUNDO DOS PERNILONGOS



Uma bebê pernilonga curiosa pergunta para sua mãe:
- Mamãe, o que eu vou ser quando crescer?
Sua mãe sorridente acaricia suas asinhas e lhe diz:
- Será uma pernilonga, minha  filha.
E a bebê pernilonga fica triste.
- Mas isso não tem graça minha mãe. Já sou uma pernilonga.
- Não, minha filha. Você é apenas uma bebê pernilonga. Tem manhas e artimanhas que você ainda não conhece. Sua mãe, por exemplo, é uma pernilonga gostosa, formada. Siga o meu exemplo e continue voando.
- Mamãe, isso não tem sentido. Que graça tem em ficar voando? Eu queria ser como os bebês humanos que mamam nas tetas, crescem, vão às escolas, jogam bola com seus amiguinhos, namoram se casam...
Sua mãe sorri:
- Que bebê bobinha é você, minha filha! Nosso mundo é muito mais fantástico e divertido do que o mundo dos humanos. Eles pagam um alto preço na vida para sobreviver sabia?
- Mas, isso é o que é vida, mamãe. E, quanto a nós? Ficar só voando e chupando sangue não está com nada. Eles têm variedades de chuparem muitas coisas como picolés, balas, geladinho, etc...
- Mas eles não voam minha filha.
- Voar, voar, subir, subir. Que coisa mais sem graça! Eles andam, correm...
- Mas se aborrecem minha  filha.
- Nós também, mamãe. Pernilongos detestam inseticidas e, antes de protestarem já morrem chapados pelo veneno. Que vida sem graça!
- Não pense nas coisas tristes, minha filha. Está vendo aquela bunda gorda daquele moleque?
- Sim. O que é que tem ela?
- Tem substância, minha filha. Uma gota de sangue daquela bunda me alimenta,  á você e outras famílias de pernilongos, fêmeas, é claro, porque a boca dos machos são muito fracas para dar picadas. Os bobinhos se alimentam apenas de suco de plantas. Que vida!  Ninguém precisa brigar, pois temos comida pra vida toda.
- Que vida sem graça, mamãe! A vida não é só comer não. Eu queria estudar, trabalhar assim como os humanos.
- Que bobinha! Teríamos que tirar um eletro encefalograma para descobrirmos afinal o que é que passa nessa tua cabecinha.
- Eletro o quê?
- Uns raios-X do crânio, minha filha. Só que no nosso mundo não temos médicos pernilongos e muito menos aparelhagem indicada, e, além do mais, nem crânios temos. Olhe só aquela orelha. Vem com a mamãe, vem.
- Que loucura! Eu não estou com fome.
- Mas tem que chupar minha filha. Pelo menos o dedão daquele pé. Venha...
- Não, mamãe!
- Que bebê teimosinha é você! Depois vai querer mamar, não é?
- Não, mamãe. Eu não vou querer mamar.
E aquela bebezinha pernilonga cresceu e se tornou uma adulta inconformada. Alimentava-se de sangue somente para sobreviver mesmo. Seus pais morreram numa bombada de inseticida e ela chorou muito. Dizia pra si mesma: “Até o final  da vida de meus pais foi sem graça. E agora? Vão pro céu ou pro inferno? Serão ressuscitados? Serão julgados por Deus porque Moisés escreveu na Bíblia para absterem-se de sangue?
E aquela pernilonga voava triste e cabisbaixa inconformada com a vida sem graça que levava.
Aquela pernilonga admirava demais os humanos. Adorava tocar em seus ouvidos sua sinfonia pernilongal. Até que um dia e, triste foi esse dia, levou uma bofetada em seu frágil e raquítico corpo e morreu. Que morte cruel! Creio que para algum lugar ela foi. O molequinho que o esbofeteou odiava demais os pernilongos. Fazer o quê? Ela deve ter ido para o céu. Tadinha. Que vida inútil, mosquitinhos.







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Postado por Marvin Di Capri