domingo, 3 de junho de 2012

UM AMIGO DA INFÂNCIA



Meu nome é Luís Henrique. Sempre fui um pai presente. Meu maior orgulho era a minha família. Quando nasceu minha primeira filha Priscila não pude me conter de tanta alegria. Seu quartinho já estava todo decorado por mim; todo cheio de bonecas e bichinhos de pelúcia. Eu era um pai coruja.
Minha princesinha Priscila já tinha sete anos quando nasceu Fernanda, minha segunda filha. Eu só podia agradecer a Deus pelos presentes que ele me dera. Fernanda também tinha o seu quartinho decorado por mim, suas bonecas e seus bichinhos de pelúcia.
Essas meninas cresceram com todo amor e carinho meu e de minha esposa Raissa, a rainha do lar. Ela era aquela mulher guerreira que estava sempre a meu lado me surpreendendo com boas novas, principalmente nas horas difíceis.
Eu era gerente bancário, tinha um ótimo salário. Minha esposa era do lar e, nossa situação era estável. Nossas filhas Priscila e Fernanda estudaram em bons colégios particulares e, mais tarde se formaram. Priscila se formou em Direito e quatro anos depois Fernanda se formou em Psicologia. Eu tinha tanto orgulho disso!
Numa sexta-feira, quando eu voltava do trabalho para minha casa, lamentavelmente sofri um gravíssimo acidente. Um caminhão bateu em meu fiat uno e, não sobrou nada dele, porém, eu sobrevivi. Fiquei em com por quarenta dias, ou seja: estive morto. Eu não andava, não falava, mas minha mente estava lúcida. Naquele hospital eu fiquei internado durante oito meses. Minha mulher e filhas raramente iam me visitar. Eu só queria entender o “por que” desse abandono e desprezo que recebi da minha família e amigos do trabalho. Minha mente estava confusa e eu pensava que, possivelmente eu teria matado alguém naquele acidente. Sentia-me inválido, pois, fazia minhas necessidades fisiológicas na fralda. Caí em profunda depressão e chorava muito, mas muito mesmo.
Era um sábado de manhã quando despertei com algumas pessoas me olhando: minha mulher Raissa, minhas duas filhas Priscila e Fernanda e um rapaz muito boa pinta (que imaginei ser o namorado de uma das minhas filhas) vieram me tirar daquele hospital e me levar para a nossa casa. Eu não podia me conter de tanta alegria. Como minha mulher e filhas estavam lindas! Aquele rapaz me pegou em seu colo e me colocou no carro. Chegamos a casa, aquele rapaz (aparentemente simpático) me colocou numa cadeira de rodas e horas depois, Fernanda me alimentava de sopa e, parecia odiar estar fazendo aquilo, porque nem sequer olhava para mim. Colocaram-me num quartinho, quer dizer: numa dispensa e quem trocava minhas fraldas era a empregada. Eu queria morrer de tanta vergonha. Fiquei naquela dispensa daquela imensa casa que era minha, (que um dia comprei com o meu dinheiro) por um bom tempo. Ficava lá ouvindo eles rirem na sala, sei lá, talvez da minha desgraça, só podia ser isso. Lá eu ficava isolado de todos aqueles que um dia eu pensei que me amavam. Eu estava morto e não sabia.
Eu já tinha perdido a noção do tempo, pois ninguém mais falava comigo; sentia-me um estorvo para eles. Sentia dores intensas, mas, a maior de todas elas era quando eu ouvia os gemidos de prazer de Raissa, minha mulher (que era muito linda) se entregando para aquele rapaz que pensei ser namorado de uma das minhas filhas. Naquelas horas eu clamava a Deus em pensamentos para me recolher, afinal eu era um inútil, para mais nada prestava e, tenho certeza de que era exatamente isso o que eles queriam.
Calculei que era de madrugada porque se fez total silêncio naquela maldita casa barulhenta. Eu estava com meus olhos bem abertos quando alguém entrou naquela dispensa segurando um travesseiro. Era Fernanda, minha filha caçula. Ela tentava me sufocar, me matar com aquele travesseiro e eu agonizava. Seu celular tocou e ela atendeu, saindo daquela dispensa. Desistiu de me matar. Fiquei traumatizado com isso e não conseguia mais dormir mesmo dopado de tanto medicamentos.
Na manhã seguinte, recebi a visita da pessoa que é hoje a mais importante da minha vida: meu amigo de infância. Foi ele que me tirou daquela maldita casa e daquela maldita família. Matheus me levou para uma clínica muito boa e lá, milagrosamente, com tantos cuidados médicos e principalmente, muito amor e carinho consegui me recuperar.
Foi este meu amigo de infância que me trouxe até o seu consultório, doutor. Antes de me falar qualquer coisa quero só te adiantar: eu perdôo minha mulher e filhas, porém, jamais voltarei para elas que é exatamente o que elas querem.
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DR. BOA:

- Luís Henrique, o que sua mulher e filhas fizeram contigo chama-se ingratidão e isso dói muito. Com todo o seu amor, carinho e dedicação você constituiu sua família, nasceram-lhe lindas filhas e, é claro: deu o melhor de você a elas. A vida, meu caro, nos surpreende a cada instante porque ela é imprevisível. Você que fez tantas coisas benéficas, maravilhosas para a sua família, talvez pouco ou quase nada fizesse por você, pensou em você. Correu grave risco de vida, mas sobreviveu para que o mundo pudesse conhecer a sua história. Não importa quanto tempo possa passar, esta mágoa é incurável, jamais irá esquecer-se dessa terrível ingratidão; dos momentos de solidão, abandono que passou; foram muitas horas de agonia, de muita dor e, o que é pior: traição. Sua esposa, a qual você chamava de rainha do lar, nunca foi rainha e nunca será rainha de nada. Ela tinha tudo em mãos; você era exatamente o marido perfeito que toda mulher gostaria de ter. Esta mulher nunca te amou e digo mais: ela não sabe o que é o amor. É apenas mais uma oportunista. Provavelmente, ela agiria com a mesma frieza se isso acontecesse com suas filhas. Tenha pena desta coitada, pois ela é uma doente. O que mais me comoveu em sua história foi à tentativa de homicídio causada por uma de suas filhas. Como alguém formada numa ciência tão linda que é a psicologia pode chegar nesse ponto? Sem dúvida, é mais uma doente; tem uma mente totalmente poluída para o mal e também precisa de cuidados médicos. Com certeza, este seu amigo de infância foi enviado por Deus para tirá-lo daquele ninho de serpentes venenosas, pois, se assim não fosse, você ia acabar morrendo nas mãos delas e o mundo não conheceria a sua história. Você é vitorioso em perdoá-las, mas seria o mais fraco de todos os homens se voltasse a conviver com elas. O amor é lindo, é puro, verdadeiro, mas também é justo. É ele é quem vai cobrar a ingratidão dessas serpentes. O preço disso pode ser muito grande e o final muito triste, mas é justo. Abrace bem forte este seu amigo de infância, pois ele é semelhante a você e eu que respeita a vida.

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