Meu nome é Débora e hoje tenho 57 anos. Tive uma infância marcada por pesadelos e traumas. Meu pai era um alcoólatra e, eu tinha muita vergonha de ter um pai assim.
Aos nove anos eu brincava na rua da minha casa com minhas colegas e, de longe via meu pai trocando as pernas de tão bêbado deixando cair no chão mantimento que trazia para casa. Minhas colegas riam ao verem aquela cena e eu chorava de ódio delas e principalmente do meu pai.
Em casa, ele vivia discutindo com a minha mãe e a agredia moralmente e também fisicamente. Eu, filha única, trancava-me em meu quarto e chorava até altas horas desejando que meu pai morresse. O destino foi ingrato: quem acabou morrendo de verdade foi a minha mãe. Creio que ela morreu de desgosto. Teve um ataque fulminante minutos depois de ter discutido feio com o meu pai.
Eu, não suportando mais conviver com aquele monstro, fugi de casa e fui morar na casa dos meus tios. Aos 11 anos fui estuprada pelo meu tio (irmão da minha mãe) e, se eu abrisse minha boca, ele me mataria, segundo suas ameaças.
Fiquei traumatizada e eu tinha medo de qualquer rapaz que se aproximasse de mim. Aos 16 anos fugi da casa dos meus tios e fiquei completamente sem destino. Conheci Carla, uma moça dez anos mais velha do que eu e fui morar em sua casa. Nasceu uma paixão muito forte entre a gente e aquilo era amor. Pena quem nem tudo dura para sempre: dez anos depois ela morreu vítima de um infarto do miocárdio. Carla me deixou casa, uma grande chácara e um bom dinheiro, porém, eu não queria nada material, queria sim, aquela grande mulher de volta em minha vida.
Numa manhã de domingo eu tomava café em minha casa quando ouvi palmas no portão. Fui atender. Eram dois homens de terno e gravata, com Bíblias nas mãos. Eu reconheci um dos homens: era meu pai que não me reconheceu. Eu já tinha 30 anos.
Todo aquele maldito passado voltou em minha mente, deixando meu coração a ponto de explodir de tanto ódio. Convidei-os para entrarem em minha casa e, aquele maldito falava em Deus o tempo todo e não agüentei mais: tive que desabafar:
- Por tua causa, maldito, minha mãe partiu desta vida muito cedo. Por tua causa, maldito, fugi de casa fui violentada ainda criança. Você destruiu a minha vida. Eu tinha vergonha de ti quando era um bêbado e não é agora que vou ter orgulho de ti com esta roupa que está vestido. Eu sempre te odiei e sempre irei te odiar.
Ele chorando, me implora:
- Perdoe-me, minha filha.
- Nunca irei perdoá-lo.
Ele não me insistiu e partiu dali com aquele outro homem, Não parava de me perturbar nas semanas seguintes mandando-me cartas, procurando-me pessoalmente para pedir-me desculpas. Eu estava certa em não perdoá-lo. Ele voltou a beber e virou um mendigo de ruas. Há dois anos faleceu na mais intensa miséria. Creio que ele pagou pelo que cometeu e, mesmo assim, ainda não consigo perdoá-lo.
DR. BOA:
- Débora, todos nós somos falhos e erramos muito. Seu pai era um dependente químico, um doente. Por mais que ele fizesse você e sua mãe sofrerem, quem sofria muito mais era ele. É difícil suportar um alcoólatra. Não tiro sua razão. Mas, ser alcoólatra é um problema como outros: tem solução. Ninguém é culpado de nada quando o assunto é o destino. Algo extremamente desagradável aconteceu com você quando fugiu de sua casa e foi violentada. Isso é um crime e se você não se calasse, sem dúvida, esse crápula seria punido. Assim trabalha a justiça. Coisas maravilhosas também aconteceram em sua vida: você se relacionou com uma mulher e admite que este amor foi lindo. Essa é a melhor parte da sua história. O amor não escolhe sexo, idade, nem raça, nem religião. E ele é eterno. Seu pai teve um encontro com Deus sim, não porque vestia terno e gravata e segurava uma Bíblia nas mãos e, sim, porque ele te pediu perdão e, nota-se que ele estava agindo com o coração quando fez isso. Ele teve uma queda e todos nós estamos sujeitos a isso. Voltou para o vício do álcool e, sem dúvida, já pressentia que seus dias estavam contados. Resumindo, a vida deste homem foi muito mais triste do que você possa imaginar. Ele não está mais aqui neste chão; sua carne já apodreceu, porém, seu espírito continua vivo. Perdoe ele, querida. Faça isso de coração e sentirá uma paz de espírito tão grande que valerá a pena. Pense nisso.
Quando amamos a todos perdoamos. Não é fácil amar e muito menos perdoar. O amor é esplêndido, encantador e a tudo suporta. Nós temos muitas falhas e por isso erramos, porém, isso não significa necessariamente que gostamos de errar. Às vezes, uma palavra mal colocada inferioriza o nosso próximo de tal forma que ele cai e, o levantar torna-se muito difícil a ele e também para nós que o colocamos naquele estágio.
Eu já fui muito humilhado, caluniado e desprezado por muitos e, hoje sei que tudo isso que aconteceu comigo não foi por acaso; quem me humilhou, caluniou e me desprezou talvez tenha sofrido muito mais do que eu e, não falo isso com ar de vingança, pois creio que a ira, a cólera são sentimentos destrutivos.
O perdão é tão transparente quanto o amor. Quando perdoamos sentimos uma paz inexplicável; nosso espírito (que é mais forte do que a carne) se eleva de tal forma que sentimos a presença de Deus que é o autor do amor; ou melhor: é o próprio amor.
No percurso dessa nossa vida sempre vamos encontrar aqueles que por uma ou outra razão não vamos nos identificar. Isso é apatia, que também é um dos sentimentos destrutivos. Uma pessoa apática não está bem com ela mesma e isso costuma contagiar o ambiente que ela reside, freqüenta, trabalha etc. É exatamente esta pessoa apática que precisamos amar e deixar que este nosso amor floresça e a contagie. Isso pode ser muito difícil, porém, não é impossível. Muita gente, quando tratada com “grossura” quer rebater com a mesma “grossura”. Então vem a contenda, o escândalo, a violência e todos os sinônimos do verbo destruir.
A vida nos oferece o que ela pode ter de melhor. É hipocrisia perdermos o melhor dela por opção. Ficar criticando tudo e todos, sem dúvida, não chegaremos a lugar nenhum; ficar relembrando de coisas tristes do passado jamais nos dará um presente e futuro melhores. Amemos a vida! Perdoemos nossos devedores e, assim teremos a certeza de que também seremos perdoados pelo amor, o nosso criador.
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