segunda-feira, 18 de junho de 2012

CONFUSÕES MENTAIS

Meu nome é Elias, tenho 25 anos e, como muitos, também tenho uma história pra contar.
Nasci em berço evangélico. Meu pai era pastor e minha mãe obreira. A doutrina era muito rígida. Não tínhamos televisão em casa porque isso era proibido. Tínhamos apenas um rádio que ficava 24 horas ligado numa estação evangélica. Eu, ainda criança, adorava assistir desenhos animados em casas de coleguinhas que não eram evangélicos como eu. Quando meus pais descobriram isso apanhei muito. Pior do que apanhar era ouvir da boca do meu pai que eu iria passar a eternidade no inferno, um lugar de tormento e fogo eternos junto do diabo e seus demônios, caso não me arrependesse. Assim, peguei trauma de televisão e, lá estava eu de joelhos dobrados pedindo perdão a Deus.
Quando eu tinha 12 anos aprendi a jogar xadrez na escola onde eu estudava e, minha professora dizia que aquele jogo exercitava a mente a ficar mais inteligente. Participei de campeonatos e fui campeão de xadrez. Meu pai ficou tão enfurecido com isso que jogou minha medalha no lixo, dizendo que toda a espécie de jogo é obra do inimigo. Pior do que isso: ele me tirou da escola e mudamos para um sítio na cidade de Aguaí, interior de São Paulo. Eu tinha saudade de Leme (SP) onde nasci e fui criado. Lá, naquele sítio eu tinha que trabalhar na roça e a noite ir para a igreja. Eu era proibido de ler qualquer livro com exceção a Bíblia Sagrada.
Na igreja, eu ficava admirado vendo e ouvindo meu pai falar em línguas estranhas. Jejuei e orei muito para que um dia eu também falasse essas línguas, mas isso nunca aconteceu comigo.
Aos 16 anos namorei Regina, uma irmã da igreja que tinha a mesma idade que eu e também as mesmas proibições. Eu mal podia tocá-la, porque até isso era proibido, era pecado. Um dia, não resisti: estávamos sós num rancho no sítio e a agarrei. Dei-lhe um beijo de língua e não me contentando com isso, tirei a sua blusa. Todo aquele meu “tesão” murchou quando vi pêlos em excesso em suas axilas. Terminei meu namoro com ela por causa disso e, em casa, minha mãe disse que a mulher serva de Deus não pode raspar pêlos e muito menos cortar o cabelo.
Aos 19 anos, eu não suportando mais aquela rotina do sítio, fugi para a capital, São Paulo. Cheguei lá feito um burro chucro, admirado com o número de edifícios e pessoas. Eu não tinha sequer o primário escolar e precisava de um trabalho e moradia. Busquei auxílio em algumas igrejas evangélicas e, mentia para os pastores dizendo que meus pais abandonaram-me quando eu era ainda criança e, o interessante era que eu conseguia convencê-los. E assim, consegui moradia e trabalho e sentia a presença de Deus constantemente em minha vida.
Conheci uma moça evangélica, porém, de outra denominação. Ela me dizia que pastor era só um e seu nome era Jesus Cristo, por isso era que em sua igreja não tinha pastor. Gostei daquela doutrina e, em pouco tempo desci as águas do batismo. Casei-me com Ruth e vivíamos uma vida plena de felicidade. Eu trabalhava na produção de uma indústria de temperos e ela era caixa de farmácia. Deus me abençoou e consegui comprar uma casa e também uma moto.
Um dia, quis fazer uma surpresa para a minha amada: fui buscá-la em seu trabalho. Senti que meu coração ia explodir naquele momento em que a vi beijando na boca o seu gerente. Ela simplesmente não me disse nada. Saí da frente daquela farmácia em alta velocidade com a minha moto. Fiz algo que nunca tinha feito na vida antes: entrei num bar e tomei algumas cervejas e também comprei cigarros e aprendi a fumar em poucos minutos. Cheguei em casa pelas altas horas e ela já estava dormindo. Eu estava bêbado e com muito temor de Deus por estar assim naquele estado. Chorei muito no sofá da sala e acabei dormindo. No dia seguinte, era um sábado e eu não trabalhava nos finais de semana, Ruth sim. Quando  despertei ela já havia ido trabalhar. Passei aquele sábado numa depressão terrível. Chorei muito. Quando Ruth chegou do trabalho nem sequer me explicou nada e eu também nada falei. Ficou aquele clima tenso e, a noite fomos para o culto. Chegando lá, fiquei surpreso de vez: fui barrado na porta daquela igreja por um dos membros porque descobriram que eu havia bebido e fumado. Pedi perdão, mas não só ele, como muitos membros disseram-me que eu não seria mais aceito naquela doutrina porque meu pecado jamais seria perdoado por Deus.
Ruth chegou em casa com ar de vitória e tivemos uma longa discussão. Seu orgulho falava mais alto: ela não estava arrependida do que fez e humilhava-me ainda dizendo-me que tinha um caso com o seu gerente e que ele sim, era o homem de seus sonhos, de sua vida. No domingo de manhã arrumei minhas malas e fui embora daquela casa que eu tinha comprado. Voltei para Aguaí-SP, para a casa dos meus pais no sítio. Dediquei-me a Deus, aos estudos e em pouco tempo muitas maravilhas foram acontecendo na minha vida. De fato, eu estava servindo a Deus. Voltei a namorar Regina (aquela que fora minha primeira namorada) e, como isso a deixou feliz. Éramos irmãos de igreja, namorados e também grandes amigos. Pedi-a seus pais em casamento e eles aceitaram porque diziam que eu era um homem de Deus. Amei demais Regina. Eu, nessas alturas já era um grande pregador da palavra e viajava por muitos estados brasileiros fazendo missões e evangelização. Eu espelhava-me em meu pai, em sua sabedoria nas coisas de Deus e, para mim, tudo o que ele dizia estava certo.
Numa noite, eu estava pregando a palavra de Deus na cidade de Leme-SP quando, subitamente deu-me um branco na memória. Apagou tudo de vez. Acordei num hospital psiquiátrico e, mais tarde fui transferido para um sanatório na cidade de Itapira-SP. Eu queria entender o por que de eu estar ali naquele lugar e desejava muito, mas muito mesmo rever meus pais, minha mulher ou qualquer irmão da igreja, mas, isso não aconteceu. Eu vivia dopado de medicamentos e, sei que o que vou mencionar aqui é loucura, mas, eu via nitidamente um daqueles personagens dos desenhos animados e ele me dizia: “Vou ajudá-lo a sair daqui”. A visão deste personagem do desenho animado aparecia constantemente para mim. É claro: eu realmente estava louco. E, aquilo me parecia tão real!
No pátio daquele sanatório, eu podia jurar que eu jogava xadrez com meus colegas da infância que também estavam ali. É difícil para eu aceitar que tudo aquilo era o efeito daquelas malditas drogas que injetavam em minhas veias. Eu realmente estava louco.
Meu médico era um homem estúpido e, quase sempre ria de mim. Eu tinha que ficar na sala de espera com outros loucos até ouvir ele me chamar. Finalmente, chegou a minha vez de ser atendido. Para minha surpresa, quando entrei no consultório quem era o doutor? Aquele personagem do desenho animado. Entregou-me algumas chaves e me explicou detalhadamente como sair daquele lugar. E, assim, pelas altas horas da noite consegui fugir daquele sanatório.
Consegui uma carona com um caminhoneiro de Itapira até Mogi Guaçú (SP) e, na estrada, pelas altas horas clamei a Deus que me ajudasse a chegar a Aguaí. Não demorou muito e, um carro parou e, para minha surpresa era Vagner, um amigo da infância. Eu assistia desenhos animados em sua casa. Falamos sobre isso. Ele me levou até a entrada do sítio e disse-me para não fazer besteiras. Não entendi isso. Eu queria rever meus pais, minha mulher e também entender o que acontecera comigo. Cheguei em casa e, que surpresa maldita eu tive, doutor. Meu pai,  aquele pastor de igreja estava transando com a minha mulher. Eu só tinha vontade de matá-los naquela hora, mas, não fiz isso. Queriam dar explicações, mas, eu não queria ouvir nada. Fiquei sabendo que minha mãe havia falecido há alguns meses e chorei muito. Dei as costas para meu pai e para minha mulher e, nunca mais quero revê-los.
Hoje moro só em apartamento em Curitiba, capital do Paraná. Não confio mais em ninguém e, que Deus me perdoe, mas, peguei nojo de qualquer espécie de igreja. Esta é a minha história, Doutor.


Dr. BOA:
- Elias, você, como milhões de pessoas do mundo inteiro nasceu em berço evangélico e, isso, pode ou não fazer bem ao espírito. Em teu caso, isso lhe fez um mal terrível. Você foi criado sob regras de uma doutrina rígida que vamos denominá-la como seita. A invenção da televisão é uma obra de arte como muitas outras. Não é obra do inimigo como descrevia seu pai e, talvez milhões de outros fanáticos religiosos. Desenho animado é entretenimento. A intenção do autor em criá-lo é simplesmente levar ao público infantil diversão e, inclusive tal criação consegue até mesmo cativar o público adulto. Um rádio ligado 24 horas numa estação gospel é fanatismo e, eu digo mais: é loucura. Deus não criou o homem para que este vivesse abaixo de regras e estatutos. Ele lhe deu o livre arbítrio, ou seja: a opção de escolha. Punição moral de que se fizer isso ou aquilo é pecado e, por conseqüência do pecado ganhará como galardão o inferno, um lugar de tormento e castigo eternos é ilusão, é mentira. Isso é o não entendimento das Escrituras Sagradas que faz desses loucos fanáticos religiosos distorcerem a palavra. São preceitos religiosos que simplesmente existem para confundir a mente humana; por maior pecado que um homem possa cometer no percurso da sua vida, que na regra geral é curta, ele jamais vai merecer uma eternidade de sofrimento. Deus é justo e, acima de tudo é amor.
Você relata em sua história que, aos 12 anos aprendeu a jogar xadrez e, que sua professora lhe disse que tal jogo exercita a mente a ficar mais inteligente e, que inclusive foi campeão deste jogo. Sua professora estava tão certa que você ganhou até uma medalha por merecimento; por ter sido campeão de xadrez. Por ignorância doentia do seu pai, ele joga essa medalha no lixo, tira você da escola, lhe proíbe de ler qualquer livro com exceção a Bíblia Sagrada e ainda o leva para um retiro, para um sítio nas mais singelas das intenções de afastá-lo de todos. Naquele lugar, parece que você não teve muitas opções de escolha: trabalhar, morar e ir para a igreja. Que rotina diabólica!
Aos 16 anos, você namora uma garota tão presa a regras doutrinárias quanto a você. Qualquer homem de bom gosto teria nojo de uma mulher que não raspasse os pêlos das axilas. Essas doutrinas que pregam que é pecado cortar o cabelo ainda não entenderam que Deus não se importa com o trançar dos cabelos e, sim com um coração puro. (1 Pedro 3: 1-5). Com isso, você rompe o namoro com Regina.
Você, com a mente totalmente perturbada foge daquele sítio em Aguaí-SP e vai para a capital São Paulo, uma das cidades mais populosas do mundo. Sem estudo e sem profissão, provavelmente sem dinheiro também, busca auxílio na irmandade evangélica que, até então, em seus 19 anos era só isso que você conhecia. Como você deixava transparecer um semblante evangélico não foi difícil familiarizar-se com eles que, apenas te ajudaram nas condições de você estar servindo a Deus, isto é: o mesmo Deus que eles. Foi uma espécie de barganha isso. Então, você em pouco tempo conquista boa moradia, bom trabalho e, conhece Ruth, uma moça de outra denominação. Gosta da doutrina dela e, em pouco tempo desce as águas do batismo e casa-se com ela. Aparentemente, as coisas para você estavam correndo bem. Você compra uma casa, uma moto, graças a seu trabalho e, por querer surpreender a sua amada com sua boa então vai buscá-la no trabalho e se depara com uma cena horrível: a traição. Ela beijava o gerente e, quanto mais coisas esta sem vergonha deve ter feito nas tuas costas. Você sai da frente daquela farmácia em alta velocidade com sua moto e faz coisas que nunca havia feito antes: bebe e fuma num boteco. Isso lhe fez sentir uma culpa terrível e, eu pergunto: e daí? Você poderia ter feito coisas piores como, por exemplo, matar sua mulher e aquele gerente, mas não fez isso, exatamente por temer a Deus. Então, uma doente dessa (Ruth) estava achando que Deus estava importando-se com o seu cabelo comprido e com o banco da igreja que ela esquenta com a sua bunda? Ruth é mais uma vítima das regras doutrinárias de uma seita diabólica. Você bebeu e fumou, e daí? Está certo de que beber e fumar não é e nunca será uma coisa boa, mas, pior do que isso foi o que fizeram com você naquela seita.  Anime-se: Isso só deixou claro para você que num lugar como aquele Deus não habita. Então, você separa-se de sua mulher e volta para a casa dos seus pais, em Aguaí-SP.
Chegando lá, com a ajuda de um personagem de desenho animado, você presencia uma cena inesperada: seu pai, aquele pastor de igreja, transando com a sua mulher. Que cena! Sim, cena como essa que você presenciou não deixa dúvidas: isso chama traição.
Esse personagem que aparecia a você o tempo todo era uma alucinação da sua mente. Teu subconsciente queria te mostrar que você é livre; que jamais nasceu para ficar preso as proibições; acredito, piamente que você jogava xadrez com seus amigos naquele sanatório. Tudo isso era o reflexo de sua mente. Punições morais, castigos, sermões e, enfim, tudo aquilo que você sofrera no passado caiu à tona. Isso só serviu de lição a você, Elias.
Temer a Deus é importante, mas, lembre-se que este Deus é tão humano quanto a você; Ele, é pai e também amigo; importa-se com sua vida porque Ele, verdadeiramente te ama. Não é um homem louco de terno e gravata, segurando uma Bíblia nas mãos que vai te levar ao Pai.
Você se libertou da hipocrisia.  Fugiu dos fanáticos religiosos que queriam te iludir com preceitos doutrinários que não provém de Deus, que é sábio. Você é livre para ir e vir, porém, use de cautela naquilo que fizer no percurdo de sua vida. Nunca mais se iluda com seitas, porque elas sim podem te levar para o abismo. Exponha para o universo todos os seus desejos e, ele, sem dúvida te mostrará o melhor dele. Parabéns pela sua libertação e pelo respeito a vida. Esteja certo de que, o Autor da Vida, que é justo lhe dará um excelente galardão.

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