Certa manhã a cidade pacata de Sertãozinho, interior de São Paulo, despertou com uma pregação infernal de um fanático religioso. O homenzinho montou um palanque bem no centro da praça central e, com um microfone em mãos dizia em tom bem alterado:
- Criaturas que ainda não são meus irmãos em Cristo, arrependam-se dos seus pecados porque a hora é agora. Venham fazer parte da grande família de Deus. Fujam do diabo e seus demônios se não quiserem passar a eternidade no inferno.
Um senhor já bastante idoso, muito educado, se aproximou daquele fanático religioso e disse-lhe:
- Filho de Giré, essa sua pregação não vai dar em nada. Quem gosta de mico é a macaca e, quem tem fome da palavra é a cachorrada.
E aquele crente ficou furioso:
- Saia deste corpo, Satanás!
O senhor idoso conseguiu acalmá-lo lhe pagando um café requentado no boteco “balança teta”, próximo daquela praça e dizia para o crente:
- Coceira de Giré, não me interrompa agora, pois o que tenho a lhe dizer é sério, objetivo e real.
- Sou todo ouvidos, caro ancião.
- Esta pacata cidadezinha sertaneja não carece de conversão, não. O povo daqui já é convertido. Cada um tem sua crença e, pra resumir: toda família é uma bênção. Agora, ferida crônica de Pagé, tem uma turminha meio grande que carece sim de sua pregação.
O fanático religioso doido para pregar como um prego que pra nada mais tem utilidade, regalou seus olhinhos de peixe gordo e indagou:
- Que turminha é essa, velhinho enviado de Deus?!
E aquele velhinho sábio, sem piscar seus olhos inteligentes disse-lhe:
- Quem precisa de sua pregação são os cães, ou melhor: os cães e as cadelas também. A maioria está nas vilas.
E o crente ficou vermelho de tanta fúria:
- Tá me tirando pra lók, meu?! Que espécie de cães e cadelas está me falando?
- Falo dos cachorros, choro de Exu das águas de São Francisco.
- Cachorros?! Mas eles são animais irracionais! Não entendem nada.
- Engano seu, vírus da vovó Cudores. Cachorros e cadelas são estressados por natureza. Os bichos já foram criados com raiva, só pode ser. Fazem um barulho insuportável e infernal e tem gente que ainda curte essa maldita poluição sonora. Eles sim estão endemonhados, precisam de conversão.
- Mas, como já lhe disse, caro enviado de Deus, são animais irracionais e não entendem nada.
- Bactéria de embrião, eles entendem tudo e, para entendermos eles um pouquinho melhor, faça o seguinte: vá para as vilas e leve consigo tripas de boi, intestino de porco, pezinhos de galinhas e, se isso lhe sair caro, leve bosta de bebês, pois os cães adoram. Em sua primeira pregação eles vão te odiar, é claro. Mas, quando fizeres a distribuição das tripas, etc.; eles vão te adorar. Fale para eles da calma que teve o filho de Giré com as imundícies humanas que foram lá ouvir sua pregação só porque ia rolar pães e peixes e, que não vale à pena latir à toa e boa. Será recompensado por isso, meu amigo lombriga do umbigo.
E no dia seguinte lá estava aquele fanático religioso na vila fazendo a sua pregação para a cachorrada que, a princípio queria lhe comer a alma de tanta raiva. Mas, cachorros são espertos. Foram se adaptando aos poucos porque sabiam que após a pregação iam ganhar tripas, pezinhos de galinhas e até mesmo uns ossinhos, por que não?
E aquele fanático religioso sentia-se feliz e dizia a todos que sua morada no céu estava garantida e que lá tinha até mesmo lugar reservado para os cachorros. Com o tempo, outros fanáticos religiosos aderiram essa brilhante idéia e a coisa pegou. E nas vilas só reinava a paz entre cães e cadelas...
Vendedores ambulantes, carteiros, testemunhas de Giré e todos aqueles batedores de palmas nos portões (que os cachorros acham que são deles )também entraram nesse ritmo: levavam para os bichinhos domésticos o pão deles de cada dia e, quer saber? Isso virou lei.
Só que, literalmente falando: danou-se tudo. Os ladrões também aderiram essa idéia e o prejuízo foi tamanho, mas aí já é a “conversão dos ladrões” que já é uma outra história.
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