quinta-feira, 26 de março de 2015

HORAS DE AFLIÇÃO (18) A TRAIÇÃO


Como perdoar uma traição? Creio que não exista nada, absolutamente nada, que seja mais doloroso do que uma traição.
Meu nome é Ana Clara. Desde minha infância sempre fui uma pessoa sensível. Chorava por qualquer coisa e, principalmente, se alguém chamasse a minha atenção. Eu era muito mimada por meus pais, ainda mais sendo filha única.
Uma garota ingênua que vivia sonhando com seu príncipe encantado.
Atos foi meu primeiro e único amor. Eu o amava de verdade. Na época eu tinha apenas 16 anos e ele 26. Que rapaz doce, bonito e tão encantador! Dizia-me só coisa linda e, eu muito emotiva, deixava cair lágrimas dos meus olhos. Ele era o meu anjo, meu guia, meu herói, meu homem. Casei-me com ele quando ainda menina.
Fomos morar numa fazenda em Pouso Alegre, interior de Minas Gerais. Adorei. Atos era um grande fazendeiro e tinha muitos empregados. Eu ficava na grande casa da fazenda desfrutando do bom e do melhor. Na realidade, ele não me deixava fazer nada. Eu era a rainha do lar. À noite, quando meu homem chegava dos seus afazeres eu estava pronta para ele. Fazíamos amor até altas horas da noite. Que saudades!
Atos, de uma hora para outra, mudou seu comportamento assim radicalmente. Começou a viajar a negócios e, bastava eu lhe perguntar alguma coisa sobre a viagem, por exemplo, ele ficava zangado. Senti uma frieza da parte dele para comigo terrível. Não. Eu não queria acreditar que aquilo estava acontecendo comigo. Minha empregada podia jurar-me que ele estava traindo-me com outra mulher. Chorei muito, mas, muito mesmo. Como pode um homem mudar tanto?
Em uma de suas viagens ele demorou um mês para voltar à nossa casa. Falava com seus empregados ao telefone, mas, nunca comigo. Numa manhã de sábado quando ele chegou, (ninguém o esperava, nem eu, porque ele era imprevisível) surpreendeu-se com a cena que viu: Eu e Alaor, um de seus empregados, estávamos fazendo amor e, pior: em nossa cama. Sua reação foi violenta, é claro, como a de todo homem traído. Ele matou Alaor com quatro tiros e, eu gritei apavorada. Sabe o que é ver um homem ser brutalmente assassinado ao seu lado? Eu tremia assustada e chorava muito. Atos encostou o cano do seu revólver de calibre 38 em meu queixo e, disse-me:
- Você é uma cadela ordinária. Quando sentiu o meu desprezo por você há meses, é porque já estava me traindo. Eu já sabia disso. Nunca lhe troquei por vadia nenhuma. Eu tinha nojo de me deitar com você por saber que você abria as pernas para esse daí, que agora é um defunto.
Não. Eu não queria acreditar que aquilo estava acontecendo comigo. Chorando, gritei:
- Eu sempre te amei, Atos.
- Quem ama não trai, sua vadia. Quem sempre te amou de verdade fui eu e, é difícil acreditar, mas, ainda te amo e, em nome desse amor, vou lhe dar um presente, Ana Clara.
Eu implorei para que ele me matasse.
- Mate-me amor. Pode fazer isso.
Ele disparou um único só tiro em seu ouvido e caiu ensanguentado e morto no chão de nosso quarto. Gritei muito, até que muitos empregados invadiram o quarto para ver o que estava acontecendo.
As horas de aflição e desespero estavam apenas começando para mim. Doze peões da fazenda se divertiram comigo. Abusaram de mim aquele final de semana inteiro. Roubaram valores da minha casa e, antes de fugirem, ligaram para a polícia. A arma assassina que matou meu marido e seu empregado tinha as minhas digitais porque quando fui estuprada, quis por fim a minha vida, mas, não havia mais munição. Fiquei detida por longos e longos anos.
A minha liberdade chegou tarde demais. Hoje estou velha e, pior do que isso: sozinha. Não herdei nada de Atos, meu marido. Vivo pelas ruas das grandes cidades vagando.

Eu confesso que traí o grande e único amor da minha vida. Eu o matei.



doutorboacultural.blogspot.com/

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