Meu nome é Maria e, confesso que há setenta anos eu era uma
gata, uma moça bonita e, o mais importante: virgem.
Nasci em berço evangélico. Meu pai era pastor de ovelhas e
minha mãe a tesoureira. Nossa comunidade de irmandade era muito amorosa, calorosa,
enfim, muito gostosa. Havia lá uma união regada a respeito, educação e bons
modos. Dentro da igreja, irmãos sentados de um lado e as irmãs sentadas do
outro lado. Para simplificar: homens à esquerda e mulheres à direita. Na
entrada dos visitantes dos meio a meio
ficavam no meio para receber a bênção do meu pai que expulsava o maligno tanto
deles quanto delas. E todos nós numa única voz: “Glórias e glórias! Aleluias e aleluias”. Isso faz muito tempo.
Eu tinha na época 16 anos e, meus cabelos passavam da minha
bunda. Para simplificar: as pontas batiam nos pés, às vezes enrolavam no bico
do sapato e eu levava um tombo. Para lavar os cabelos era um pouco complicado,
mas, nada como um mergulho no rio que não resolvesse.
Quando eu saía às ruas com minhas irmãs da igreja ficava
horrorizada e elas também. Só víamos o pecado incorporado naquelas mocinhas
impuras empinando as bundinhas com aquelas minissaias ou shortinhos mostrando
até as pontas dos pelinhos. Cruzes! Que pecado! Nós, não, irmãos. Vestíamos vestidos
longos para nos proteger dos olhos dos tarados dos rapazes e, principalmente
dos olhos de Deus. Se bem que Ele nos via por dentro, porém, isso não vem ao
caso.
Eu achava aquela juventude sem graça. Molhava-me toda de suor
de tanto ver pecado. Aqueles rapazes skatistas exibindo o que são capazes de
fazer com seus pés embutidos naqueles tênis batidões, alguns tamanhos família,
que a mídia até os dias de hoje acha que é sexy. Minha doutrina era tão rígida
que irmãos e irmãs não podiam usar tênis nos pés, não. Porque o chulé não é
benigno e provém do maligno.
Um dia, eu e minhas irmãs da igreja fomos fazer uma
evangelização num parque lá de Vitória, capital do Espírito Santo e, o que
vimos balançar entre as árvores foi o cúmulo do pecado. Um negrão que dava
quatro de Mike Tyson malhava uma mocinha impura e, o pior que ela estava
gostando. Não, não e não. Foram horas de tensão horríveis. Suei tanto, mas,
tanto, que desmaiei. As irmãs oraram por mim e, logo um boy me deu um picolé na
boca e, só assim consegui me acalmar daquelas horas tensas que passei. Isso faz
muito tempo.
Quando eu tinha 18 anos me movia demais na cama. Dava vontade
de pular e arrebentar tudo que estava a minha volta. A irmandade vinha orar por
mim, mas, aquele calor, aquele fogo que eu sentia em meu corpo não passava. Era
muito mais forte do que a sauna do milho que vira pipoca de tanto calor na
panela. Acho que era o Capeta que estava dentro de mim. Não conseguia dormir e,
só queria pular. Fui revelada finalmente, que um homem de Deus estava a caminho
e eu seria sua esposa. Glórias!
Marcos tinha o dom de línguas. Ele mesmo foi quem me revelou.
Nosso namoro era à base de glórias e glórias sem gracinhas, até quando nos
casamos. Aí, tudo mudou. Nossa lua de mel melou mais do que melão com mel e
mamão. Antes de nos deitarmos, sugeri ao meu amor que orássemos. Ele me olhou
sério e disse-me:
- Pula santa! Vou orar dentro de você agora.
- Cruzes!
Marcos deu-me um tapaço na bunda e ele estava encapetado.
- Tire sua roupa irmã que eu te mostrar o que é glória.
As horas de tensão estavam apenas começando em minha vida.
Marcos estava incorporado no Saci Agulha. Eu duvidava antes que ele tivesse o
dom de línguas, porém, me enganei. Cruzes! Marcos era um poliglota. Quanto mais
eu clamava: “Ai, Jesus! Ai, Jesus”,
mas, ele me enchia de luz. Deis a luz vinte e quatro vezes para honra e glória
do Senhor. O último nasceu meio alegrinho, mas, é uma bênção de filho que adora
a espada. Para simplificar: a Bíblia.
Assim que meus pais morreram, que, por sinal, foram os
fundadores da igreja, resolvi fazer umas mudanças na doutrina que era muito
rígida e chata. Liberei o corte de cabelo e maquiagem para as mulheres, porque elas
não merecem parecer velha antes do tempo. Pra juventude, pras vovós e pros
vovôs, muita praia, sexo e rock and rol, morô?
doutorboacultural.blogspot.com/
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