Eu
não sei exatamente dizer o que é que pode ser mais triste no percurso dessa nossa vida, que, na regra geral, é curto. Decepcionei-me com a vida, porque ela, que
a todos surpreende, surpreendeu-me também, assim, de certa forma que perdi por
completo o amor por ela.
Meu
nome é Alice. Carrego dentro de mim um sofrimento, uma perda que já dura cinco
décadas. Agora é tarde para ser feliz. Não sei se pode haver algo que seja mais
triste do que a perda de um ente querido. Pior do que isso é o pesadelo de você
não saber o que realmente ocorreu, porque, misteriosamente, este ente querido
desapareceu. Nestas horas, você é capaz de pensar em tudo e, isso, atormenta o
seu cérebro. Não tem mais um sono tranquilo. São horas de aflição e desespero que nem mesmo o tempo que é o
senhor de nossas vidas conseguirá apagar esta memória inesquecível da perda.
Amanda,
minha única filha tinha apenas três anos de vida quando desapareceu. Eu não
podia engravidar e, ela foi o maior presente que Deus me deu, aos quarenta e
dois anos. Nasceu saudável, linda. Por que é que Deus a tirou de mim? Não. Eu não queria acreditar que aquilo estava acontecendo comigo.
Na
época, eu morava em Navegantes, litoral de Santa Catarina. Minha casa era
grande e muito bonita. Eu e Alcides recebíamos nossos amigos sempre aos finais
de semana em nossa casa. Havia um clima muito prazeroso em casa. Alcides
assando carne na churrasqueira, rodeado de amigos e bom papo e eu na cozinha
preparando o almoço e conversando com minhas amigas. As crianças brincando e, de repente, dei falta de Amanda.
Fiquei em pânico e gritei. Tínhamos uma grande piscina e, a primeira
coisa que passou na minha cabeça era que ela tivesse caído dentro dela. Alcides, meu
marido, pulou na piscina e, o que dizer? Menos mal. Ela não estava ali. Mas,
onde estava minha filha, meu Deus?
Era
uma tarde de sábado. Jamais hei de esquecer esse dia. Era a folga de Aurora, a
babá da minha filha. Que aflição! Amanda não estava em lugar nenhum. Acionamos
a polícia e, lamentavelmente, não tivemos nem boas, nem más notícias. Amanda
simplesmente desapareceu.
Por
causa disso, desse misterioso desaparecimento de Amanda, nunca mais a vida
minha e de meu marido foi a mesma. Caímos em depressão e, nem sequer dialogávamos
mais. Não recebíamos amigos em nossa casa, enfim, ficamos distantes de todos.
Cinco
anos depois do desaparecimento de Amanda, Alcides suicidou-se. Ele tomou
grandes doses de remédios controlados e teve uma parada cardíaca. Sei que é
estranho eu dizer isso, mas, meu marido não foi um covarde em tirar a sua própria
vida. Quem dera eu ter essa coragem que ele teve.
Passaram-se
cinqüenta anos. Cinco décadas sem notícia da minha garotinha Amanda. Caso ela
estivesse viva estaria com cinqüenta e três anos. Hoje sou uma velha de noventa
e dois anos e vivo num asilo.
Numa
tarde de sábado, jamais hei de esquecer esse dia, recebi uma visita. Era uma
senhora bonita, elegante e muito simpática. Tinha um sotaque português.
Abraçou-me e disse-me:
-
Sou Amanda, mamãe. Lembra-se de mim?
Choramos muito, mas, muito mesmo. Eu sempre tive esperança de que um dia ela iria aparecer. Coração de mãe não se engana. Ela contou-me tudo em detalhes o que aconteceu naquela tarde de sábado há cinqüenta anos atrás.
Todos
esperam um final feliz de uma história, porém, perdoem-me, pois, esqueci de
tudo o que ouvi da minha filhinha Amanda. Tenho o mal de Alzheimer, uma doença que
faz com que a gente perca levemente a memória.
Amanda
foi embora e, não me lembro para onde, mas, prometeu voltar e me tirar deste
asilo. Estou esperando-a. Quem sabe tudo isso foi um sonho, não é? Eu não me lembro.
doutorboacultural.blogspot.com/
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