sábado, 7 de março de 2015

HORAS DE AFLIÇÃO (12) O DESAPARECIMENTO DE AMANDA


Eu não sei exatamente dizer o que é que pode ser mais triste no percurso dessa nossa vida, que, na regra geral, é curto. Decepcionei-me com a vida, porque ela, que a todos surpreende, surpreendeu-me também, assim, de certa forma que perdi por completo o amor por ela.
Meu nome é Alice. Carrego dentro de mim um sofrimento, uma perda que já dura cinco décadas. Agora é tarde para ser feliz. Não sei se pode haver algo que seja mais triste do que a perda de um ente querido. Pior do que isso é o pesadelo de você não saber o que realmente ocorreu, porque, misteriosamente, este ente querido desapareceu. Nestas horas, você é capaz de pensar em tudo e, isso, atormenta o seu cérebro. Não tem mais um sono tranquilo. São horas de aflição e desespero que nem mesmo o tempo que é o senhor de nossas vidas conseguirá apagar esta memória inesquecível da perda.

Amanda, minha única filha tinha apenas três anos de vida quando desapareceu. Eu não podia engravidar e, ela foi o maior presente que Deus me deu, aos quarenta e dois anos. Nasceu saudável, linda. Por que é que Deus a tirou de mim? Não. Eu não queria acreditar que aquilo estava acontecendo comigo.
Na época, eu morava em Navegantes, litoral de Santa Catarina. Minha casa era grande e muito bonita. Eu e Alcides recebíamos nossos amigos sempre aos finais de semana em nossa casa. Havia um clima muito prazeroso em casa. Alcides assando carne na churrasqueira, rodeado de amigos e bom papo e eu na cozinha preparando o almoço e conversando com minhas amigas. As crianças brincando e, de repente, dei falta de Amanda. Fiquei em pânico e gritei. Tínhamos uma grande piscina e, a primeira coisa que passou na minha cabeça era que ela tivesse caído dentro dela. Alcides, meu marido, pulou na piscina e, o que dizer? Menos mal. Ela não estava ali. Mas, onde estava minha filha, meu Deus?
Era uma tarde de sábado. Jamais hei de esquecer esse dia. Era a folga de Aurora, a babá da minha filha. Que aflição! Amanda não estava em lugar nenhum. Acionamos a polícia e, lamentavelmente, não tivemos nem boas, nem más notícias. Amanda simplesmente desapareceu.
Por causa disso, desse misterioso desaparecimento de Amanda, nunca mais a vida minha e de meu marido foi a mesma. Caímos em depressão e, nem sequer dialogávamos mais. Não recebíamos amigos em nossa casa, enfim, ficamos distantes de todos.
Cinco anos depois do desaparecimento de Amanda, Alcides suicidou-se. Ele tomou grandes doses de remédios controlados e teve uma parada cardíaca. Sei que é estranho eu dizer isso, mas, meu marido não foi um covarde em tirar a sua própria vida. Quem dera eu ter essa coragem que ele teve.
Passaram-se cinqüenta anos. Cinco décadas sem notícia da minha garotinha Amanda. Caso ela estivesse viva estaria com cinqüenta e três anos. Hoje sou uma velha de noventa e dois anos e vivo num asilo.
Numa tarde de sábado, jamais hei de esquecer esse dia, recebi uma visita. Era uma senhora bonita, elegante e muito simpática. Tinha um sotaque português. Abraçou-me e disse-me:
- Sou Amanda, mamãe. Lembra-se de mim?



Choramos muito, mas, muito mesmo. Eu sempre tive esperança de que um dia ela iria aparecer. Coração de mãe não se engana. Ela contou-me tudo em detalhes o que aconteceu naquela tarde de sábado há cinqüenta anos atrás.
Todos esperam um final feliz de uma história, porém, perdoem-me, pois, esqueci de tudo o que ouvi da minha filhinha Amanda. Tenho o mal de Alzheimer, uma doença que faz com que a gente perca levemente a memória.
Amanda foi embora e, não me lembro para onde, mas, prometeu voltar e me tirar deste asilo. Estou esperando-a. Quem sabe tudo isso foi um sonho, não é? Eu não me lembro.



doutorboacultural.blogspot.com/

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