Evangelista, sem dúvida, é um homem muito sortudo. Por
incrível parecer, ele com seus cinquenta anos bem vividos tem respostas para os
mais variados assuntos que alguém possa imaginar.
Evangelista morava num bom apartamento em Curitiba, capital
do Paraná, que com muito esforço e boa sorte na vida, conseguiu comprar. Isso
lhe trouxe muitos calos nas mãos e nos pés. Trabalhou muitos anos como servente
pedreiro e, como vendedor, vendia de tudo, menos drogas. Sofreu muito e, sendo
pecado ou não, admitiu ser corno de sua mulher, pois, se ficasse só no trabalho
pesado, trabalhando em obras ou vendendo coisinhas, jamais chegaria aonde
chegou. Assim diz ele.
Sucedeu que um dia, Evangelista acordou cedo e, quando abriu
a janela do quarto de seu luxuoso apartamento para dar bom dia ao dia, (como é acostumado a fazer até hoje), se deparou
com um tempo horrível: céu cinzento, nublado e com aquela chuvinha fina, sem
graça, que não tem pressa de ir embora. Ele pensou no sofrimento de outrora,
que, por causa daquele tipo de chuva, perdeu, ou melhor, deixou de ganhar muito
dinheiro na época em que vendia pomadinhas para as dores em geral. Fazia isso
de casa em casa, conversando com as pessoas, em especial com as velhinhas que
gostavam de ouvir o seu papo e, caso chovesse, seu trabalho ia para a lagoa.
O miserável pagava diárias de hotel, daqueles bem ralés e,
para alugar um quartinho fixo e mensal teria que ter dinheiro na mão. Sim, ele
gostava de tomar umas cervejinhas com seus amigos e, como era muito otimista,
acreditava que aquela fase negativa em vivia, um dia ia acabar. Pois é: amigos
e parentes corriam dele feito o Diabo da cruz. O dono do hotel vendo-o
literalmente fodido botou o coitado
para correr e aí veio o sol trazendo de volta a sua alegria e também das abelhinhas
que fabricam o mel. Evangelista aprendeu a lição: guardou seu dinheirinho
sagrado na venda dos produtos, cortou as cervejinhas com os amigos; passou a
fazer apenas uma refeição por dia e, lamentavelmente, de tanto comer pão com
mortadela contraiu uma gastrite. Foram-se suas economias. Gastou tudo o que
tinha na compra de remédios e, agora, além de, literalmente fodido, estava doente e, como se não
bastasse, voltou a chover e, para completar: estava na rua.
Na época, ainda muito otimista, com muito sacrifício, apelou
pelas beatas das igrejas contando a situação difícil em que vivia e, com isso,
juntou um dinheirinho e investiu tudo em guarda-chuvas, pois, chovia direto.
Saiu para vender nas ruas de Curitiba e deu azar: os fiscais da Prefeitura
tomaram todo o seu material e, isso, apesar de doer é justo, pois, os lojistas
pagam seus impostos, oras! Mesmo assim, Evangelista não desistiu. Fez um novo
apelo e conseguiu mais uma verba das beatas e, investiu tudo em guarda-chuvas
novamente. Deu azar: parou de chover e o povo não queria mais guarda-chuvas não. E agora Jesus, Maria e José? Foi-se minha
fé. Pensou. Voltou para as beatas e elas o botaram para correr. Chega de
verbas. Pediu socorro em várias denominações de igrejas e tudo o que conseguiu
foi uma merreca que mal dava para ele pagar uma vaga num daqueles quartinhos de
hotéis ralés em que vivia outrora.
Pois é, Evangelista pensou seriamente em arrumar um emprego
fixo, mas, não conseguiu. Não tinha experiência de nada comprovada em carteira
de trabalho e aí tudo ficou muito mais complicado. Foi parar no albergue e, lá,
lamentavelmente foi tratado como bicho, ou pior do que isso: foi confundido com
vagabundos e marginais de todas as espécies que também viviam lá, no meio de
muita gente boa. Que tolice de discriminação! Neste abrigo, doente, com
problemas gástricos, Evangelista apanhou muito de vândalos e, preferiu ficar
calado para evitar maiores problemas. Saiu de lá e voltou às ruas de Curitiba
na esperança de que, com seu otimismo, tudo um dia iria melhorar para ele.
Sucedeu que um dia, Evangelista revirava um latão de lixo
para encontrar ao menos um pão duro para comer, quando estaciona um carro de
luxo bem em sua frente. Pensem numa linda mulher. Sai de dentro daquele carro
uma mulher maravilhosa e o recolhe para a sua vida. Roberta (o nome da
princesa) o leva para a sua mansão na Mercês, bairro nobre de Curitiba. Opa!
Parece que, finalmente agora, seus problemas estavam resolvidos.
Quinze dias depois, Evangelista e Roberta se casam no civil e
no religioso e, o amor dos dois parecia ser forte.
Evangelista agora vivia feito um rei e tinha traumas de
pensar em seu passado. Sua mulher Roberta lhe deu um banho de loja e o cabra
ficou bonito. O levou numa ótima clínica dos pés e uma famosa podologista
coreana tratou de seus calos com muito amor e carinho. Parece que o dinheiro
costuma fazer certos milagres.
Roberta saía sempre às manhãs e voltava puras altas horas da
madrugada e isso estava deixando Evangelista preocupado. Com o tempo, ele
descobriu que estava sendo traído pelo grande amor de sua vida e caiu em
depressão. Não sorria mais como as hienas e chorava muito às escondidas.
Roberta era prostituta e, como se não bastasse, traficava drogas. Evangelista,
nessas alturas podia ouvir os gemidos de sua amada se deitando com traficantes.
Com mansidão de corno foi se acostumando com isso, até que um dia, lamentável dizer,
sua amada Roberta acordou morta. Além de traficante, ela era usuária de drogas
e não resistiu à overdose. E assim, Evangelista ficou com uma gorda poupança,
com a herança que deixou a sua amada. Vendeu a mansão, comprou um luxuoso
apartamento bem no centro de Curitiba (Paraná) e, hoje, quando abre a janela de
seu quarto para dar bom dia ao dia e,
se depara com aquele dia horrível, com aquela chuvinha fina, sem graça, que não
tem pressa de ir embora e, vê um miserável como ele, que já foi um dia,
simpaticamente sorri, faz um aceno para o infeliz e vai socorrê-lo e, isto
inclui até lhe pagar umas cervejinhas, por que não? A única coisa que aborrece
Evangelista é esse papo de evangelho. Não insistam. Sem dúvida, Evangelista é
um homem sortudo, gente.
doutorboacultural.blogspot.com/
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