Aurélio era um homem inteligente, simpático e com aparência
de boa pinta. Gentil, educado, enfim,
tudo o que uma mulher procura num homem.
Fisicamente, era o cara. Braços e pernas grossos, peitudão, Aurélio irradiava beleza por onde
quer que passasse. As mocinhas ficavam piradas
só de ver o tipo.
Numa noite bem fria de inverno, Aurélio caminhava pelas ruas
e estava muito bem alinhado, por sinal. De sobretudo preto que combinava com
seus coturnos. Usava um lindo cachecol vermelho sangue daqueles de chamar a
atenção mesmo, sabe?
Mônica, uma linda moça evangélica chegou a babar quando viu
Aurélio e, teve que soltar suas emoções.
- Glórias a Deus! Glórias a Deus! É este o homem que pedi
para Deus. Apareceu em meus sonhos. É ele.
Aurélio simpatizou-se com Mônica e, minutos depois, ambos já
estavam num finíssimo restaurante, tomando uns vinhos quentes e saboreando
deliciosas refeições e, caríssimas também, é claro. Na hora de pagar a conta, o pinto piou e Mônica desconfiou.
Aurélio ficou tão envergonhado que não sabia onde enfiar sua cara de pau.
- Querida, nem sei como lhe explicar e, sei lá, acho que eu
também não conseguiria e...
Mônica, simpática feita uma cadela que acabara de ganhar uma
fatia de mortadela, sorri e diz:
- Não se preocupe, minha glória. Sentir-me-ei como uma deusa
pagando esta conta.
E Mônica adora ficar ouvindo seu novo namorado tagarela
falar.
- Pois é, querida, tenho uma casa bem longe daqui, fica lá em
Paris. Também tenho uma fábrica de balas na Guatemala; uma indústria de
piscinas na Argentina e, aqui no Brasil, minha amada, não tenho nada.
Conversaram muito e Mônica lhe revelou:
- Estou apaixonada por você, minha glória.
- Eu também.
- Disse-me que seu pai é pastor de igreja. Gostaria de
conhecê-lo e pedir a ele a permissão para nos casarmos.
- Glórias! É tudo o que eu mais quero é me casar com você.
E Mônica leva seu namorado Aurélio para conhecer Gelir, seu
pai pastor, muito rico por sinal. Afinal, ele pastoreava uma imensa igreja e
tinha pelo menos uns três mil membros, sem contar com as crianças.
O pastor Gelir olha para Aurélio com desdém, fica
observando-o e depois diz.
- Não é tão fácil assim, Mané. Para se casar com minha única
filha, terá que aceitar a Jesus aqui na minha igreja e, descer as águas do
batismo. Depois tudo será glórias e glórias.
Aurélio anima-se.
- Eu topo.
O pastor volta a observá-lo, depois diz.
- Semana que vem vai descer as águas do batismo e, agora se
ajoelhe, Mané. Não é tão fácil assim. Vai ter que confessar.
Depois de feita toda aquela cerimônia, Aurélio da um beijinho
no rosto de sua amada Mônica e vai embora. Volta na próxima semana e o frio
estava intenso demais para suportar. Mas, Aurélio estava muito bem vestido.
A Igreja da Raiz, fundada pelo pastor Gelir estava lotadíssima,
pois, afinal, era a noite do batismo. E, quem vinha lá descendo a rampa que
terminava na piscina do batismo? Aurélio de sobretudo e tudo. De repente, o
pastor Gelir grita:
- Pode parar! Não é tão fácil assim, Mané. Tire suas roupas para
entrar nas águas sagradas e, já lhe aviso: ela está gelada. Esta é a prova da
glória. Fique seminu, só de cueca.
E Aurélio com as mãos trêmulas, (talvez devido ao frio ou a
emoção) começa a tirar suas roupas. Primeiro um sobretudo, depois outro
sobretudo, um blusão de couro, depois outro blusão de lã e, vixi Maria das
Dores! Que magreza dos horrores! Os fiéis apesar de darem glórias e glórias
riram muito, assistindo aquela cena, porém, tudo bem, ninguém é perfeito. E
Aurélio tira seus coturnos, suas cinco meias, suas cinco calças e, o que
surpreendeu a todos, menos a Deus que tudo sabe, foram os gritos de emoção de
Mônica.
- Glórias, glórias e glórias! Eu já amava este homem, pois,
agora o amo muito mais.
E Aurélio entra na piscina. Ele chorava muito. Por que será?
Seria o gelo da água? Não. Ele estava envergonhado por ser tão magro. Descer as
águas do batismo até que ele desceu, porém, nunca mais subiu. Morreu congelado.
Complexo de inferioridade, sem dúvida, é uma doença psíquica
e deve ser tratada o mais rápido possível. Nem tudo na vida é bonito e
colorido. Existe o anseio dos feios; o sorriso dos bonitos e o alarido dos
aflitos.
Temos que aceitar como nós somos, sem essa paranóia ilusória
que incomoda nossa trajetória. A vida é jóia e vale à pena darmos glórias e
glórias e, esta é mais uma das minhas histórias
(HISTÓRIAS DA VELHA GLÓRIA 8)
doutorboacultural.blogspot.com/