quinta-feira, 27 de março de 2014

VILA DOS PRAZERES


Dona Vicentina era uma mulher já bastante idosa. Dizia a todos que lhes perguntavam que tinha setenta e cinco anos, mas, na verdade, ela estava beirando quase um século de existência.
O interessante da vida e mal também, é claro, que quando a carne humana envelhece ao ponto de apodrecer ainda em vida, aqueles que são jovens, que ainda têm carne de primeira, querem se livrar da podridão. Pois é exatamente que os filhos e os netos de Dona Vicentina fizeram com ela. Botaram a velha num asilo, dando um perdido na coitada para sempre.
Dona Vicentina, apesar de ser muito religiosa, tinha dentro de si um espírito de galinha. Sentia ainda, apesar de sua avançada idade. Frescurinhas, o mesmo desejo que sente uma mocinha. Esperta como uma gata ladra que rouba o filézão de peixe das mãos de uma menininha ingênua, bobinha, ela fugiu do asilo, localizado na cidade de Cerro Azul, interior do Paraná.
Dona Vicentina sentia fortes desejos carnais e, antes que seu coração pifasse de vez, queria era mais curtir o doce do mel ou da cana de açúcar que a vida pudesse oferecê-la. Sonhava muito com uma Vila dos Prazeres, localizada na região de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais. Sim, ela sonhava com anjos e dizia religiosamente para si mesma que eles estavam enviando mensagens em sonhos para que ela fosse para lá. Segundo os anjos, na Vila dos Prazeres, os jovens, gatões sarados adoravam gente velha tipo: bico de papagaio, artrose dupla, reumatismo, furúnculos, varizes e varicoses, arca caída, gota, dermatoses, joanetes, feridas crônicas, etc.
Dona Vicentina que não precisava pagar passagem (porque velhos também têm suas vantagens) chegou até Belo Horizonte. Foi uma viagem longa, gente. Ela queria era mais tomar um banho, porque fazia um calor de 40 graus e, quando um ventinho passava por ela, levava seu suor catinguento longe. Os abutres mineiros, lá do alto já estavam de olho na velha. Coitada. Suas moedinhas que carregava na sacolinha deram para pagar um banho na rodoviária de Belo Horizonte. Ficou cheirosinha.
Aproximou-se de uma mocinha que estava sentada num dos bancos da rodoviária e a perguntou:
- Mocinha, você é daqui de Minas?
- Sim, minha senhora.
- Como posso chegar à Vila dos Prazeres?
A mocinha que tomava um refrí de latinha se engasga, depois diz:
- Desculpe-me, senhora. Nunca ouvi falar dessa vila por aqui.
Dona Vicentina pergunta desta vez para um jovem do tipo sarado.
- Olá brotinho, tudo bem? Como faço para chegar à Vila dos Prazeres?
Vixi! O boy acabara de curtir um breu e acabou achando que aquilo era uma pegadinha. Dá um sorriso daqueles chouriços e diz:
- To fora desta vila, velhinha. Nunca ouvi falar.
Dona Vicentina não desiste. Foi perguntando aqui e ali e, finalmente, encontrou uma idosa, assim como ela,que conhecia tal vila.
- A senhora vai precisar pegar um ônibus circular para chegar até lá. O ônibus passa na BR. É logo ali. Vai toda a vida reta por essa rua de terra detrás da igrejinha, mas, vai toda a vida que a senhora vai dar de cara com a BR. Lá vai passar um ônibus amarelinho com o nome de Vila dos Prazeres.
Dona Vicentina chega à BR, para num ponto e aguarda ansiosa pelo ônibus. Que BR estranha! Não passava nem sequer um carro nela. Ela espera por uns quarenta minutos e, de repente, quem vinha lá? Um ônibus amarelinho. Dona Vicentina tinha uma visão muito boa. Deu pra lá no letreiro: Recolhe. E ela pragueja muito:
- Maldição desse tal recolhe. Estou aqui há tanto tempo, coringa do baralho.
Quarenta minutos depois, quem vinha lá? Outro ônibus amarelinho, apesar de estar cheinho, recolhe também. Dona Vicentina pragueja os céus, a terra e até sua própria vida. Ela resolve seguir a pé pela BR e já estava perdendo o fôlego. Olha para trás e vê que vinha outro ônibus amarelinho com o mesmo letreiro que dizia: recolhe. Como ela praguejava, meu Deus!
Vixi! O céu escurece e pensem numa chuva. Ela queria uma marquise, porém, marquise em BR só nas idéias de Marcão, não é mesmo? Ficou mais molhada do que um peixe. De repente, quem vinha lá? Outro ônibus amarelhinho com o letreiro: Recolhe. Desta vez, ela entra na frente do ônibus porque queria dizer umas verdades para o motorista e, pensem num final triste que teve essa doce velhinha, gente. Morreu sem conhecer a antiga Vila dos Prazeres que tinha por novo nome Recolhe. Sim, era uma vila assim tipo: espere pela morte que ela está a caminho. Só tinha velhinhos.







Que sacanagem, gente!


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