Ana Cristina era uma grande mulher
guerreira, trabalhadora. Ficou viúva de Rodolfo, um bom homem que lhe deu uma
linda menina.
Júlia tinha apenas um ano de vida, mas,
era esperta demais. Parecia entender tudo. Olhava atenta para um objeto e, nem
piscava os olhos. Sabe-se lá o que a pequena Júlia imaginava.
Geralda, mãe de Ana Cristina era uma velha
doente, acamada. Em nada podia ajudar a filha que, além de trabalhar fora,
fazia os serviços domésticos. Era sempre aquela rotina de segunda a sexta: Ana
Cristina acordava cedo, deixava a pequena Júlia na creche e ia pro trabalho.
Quem cuidava da velha Geralda era Alda, uma boa vizinha.
Ana Cristina trabalhava como empregada
doméstica numa casa de família. Ganhou de Leonora, sua patroa, uma linda
estante, por sinal, muito grande e pesada. Leonora deixou bem claro:
- Ana Cristina, lhe dou de presente esta
estante, madeira boa, fina e cara, porém, está com um dos pés quebrado. Bote um
calço nela e boa.
Pensem numa estante bonita. A sala de Ana
Cristina que era grande parecia agora pequena, porque aquela estante tomava um
bom espaço.
Sucedeu que num dia de sábado, Ana
Cristina estava atarefada demais com seus afazeres domésticos. Lavava roupas
num tanquinho do lado de fora de sua casa e, de cinco em cinco minutos corria
para a sala pra ver se estava tudo bem com Julinha. Que bonitinha! Ela assistia
desenho animado na TV e nem piscava os olhos.
Alda, a boa vizinha, veio receber de Ana
Cristina certo dinheiro por cuidar da velha Geralda durante a semana.
- Minha mãe tem lhe dado muito trabalho,
Dona Alda?
- Não. Sua mãe é um doce, Ana Cristina.
Nem parece uma retardada, uma débil mental, uma louca.
De repente, um barulho alto seguido de um
estouro. Sim, o barulho era na sala. Ana Cristina corre para lá e aquilo que
viu foi o motivo de sua loucura. Aquela imensa estante caída no chão. Nossa!
Uma das veias de seu cérebro estourou. Só pode. Ela grita tanto, mas, tanto que
soava até línguas estranhas. Uma loucura. Alda, a boa vizinha também grita e
chora muito.
- Meu Deus! Meu Deus! Por que isso
aconteceu? Coitada da pobrezinha Julinha.
Como a vida nos surpreende, gente! Como
aquela estante foi tombar? Por quê?! Quantos “por quês” ainda iremos perguntar e quem vai nos
responder?
Julinha era uma linda bebezinha adorável.
Um anjinho de Deus, querida por todos. Quantas lágrimas! Pelo menos uns quatro
homens fortes, bons vizinhos foram erguer aquela grande e pesada estante. Ana
Cristina gritava, pulava e babava no quintal. Ficou realmente louca.
O que estava previsto acontecer,
aconteceu. A estante caiu. Estava mal calçada, sei lá. Caiu, caiu. O que tem de
acontecer acontece. Não entendemos os desígnios de Deus, mas, creio que Ele tem
muito mais o que fazer do que ficar segurando uma estante. Onde estava o anjo
da guarda daquela criança? Talvez brincando de esconde-esconde nas nuvens com
outros anjos.
Não existe nada, absolutamente nada que
seja mais lindo, mais puro do que um sorriso de uma criança. E agora, a culpa é
de quem? Da mãe ignorante? Depois do fato ignora-se o ato. Não adianta ficar
questionando feito um papagaio: "Mas, como isso aconteceu?". Mesmo
que explique a causa para esse loro, ele não vai entender nada. Quem sabe
pousou um pernilongo cansado de sua jornada sobre aquela estante e, esta não
resistiu e por isso caiu. E a neném? Quem sabe uma família de cupins famintos e
podólatras acabaram de comer o pé ferido da estante e, por isso, esta caiu. E a
neném?
Uma criança é como um anjinho inocente.
Não tem noção de que o perigo pode star presente até no amigo Vicente, num
parente, num ausente, num presidente, num tenente, num demente, num deficiente,
na gente, numa corrente, numa semente, numa mulher inteligente, num valente,
numa mente, num paciente, num vivente, num ascendente, numa dívida pendente,
num cachorro quente, em nossa frente, etc. Pode estar num poeta, num atleta,
numa bicicleta, num pateta, não importa. O perigo pode estar numa porta, numa
torta, numa morta, numa derrota, num agiota, num idiota, não é verdade? Está em
toda parte. Numa arte, num biscate, num padre, num compadre, numa comadre, numa
madre, num covarde. Que absurdo! O perigo pode estar em tudo. Está no mundo,
num susto, num minuto, num assunto, num surdo mudo, num defunto, num presunto,
num luto, num "vamos ficar juntos". É um dilema. O perigo pode estar
num problema, num esquema, numa Maria Madalena, numa fêmea, numa alma gêmea,
numa gema, numa algema. Diacho! O perigo pode estar num macho, num cacho, num
riacho, sei lá. Pode estar num caminhar, num andar, num devagar, num apressar,
num "olá", num "deixa pra lá", num cair e levantar, num
"blá-blá-blá", no mar, num altar, num lugar ou em qualquer lugar.
E agora, o que dizer? Caiu, caiu. O perigo
pode estar num fio, num tio, num assobio, num rio, num cio, num pavio, num pio,
num "ninguém me viu", minha senhora. Pode estar numa sogra, numa
nora, numa escola, numa cola, numa sacola, num "não me amola", num
fora, num apavora, num "vamos embora", numa fofoca, numa foca, numa
dorca, numa cobra, numa sobra, numa droga, numa Ioga, numa frota, numa bota,
numa jóia, num nóia.
Como é triste a dor de perder um ente
querido, meu Deus! Muitos protestam: “Difícil aceitar, se conformar.É muita injustiça".
Tem gente que é tão ruim, mas, tão ruim
que odeia um final feliz de uma história. Por isso é que o perigo pode vir a
todo instante. Pode estar num volante, num andante, numa amante, num diamante,
num alto falante, num tratante, num ignorante e, até mesmo numa estante.
Ao erguerem do chão aquela imensa e pesada
estante, uma surpresa que fez calar até a boca dos anjos: “Cadê Julinha, meu
Deus?” A pequena Julinha, para surpresa de todos estava dormindo no colo de sua
avó Geralda. Mas, como?
- Eu precisa ajudar minha filha Ana
Cristina em alguma coisa. Desde que vi aquela estante, senti perigo. Com
dificuldade, levantei-me desta cama e fui até a sala e peguei minha netinha
trazendo-a para junto de mim.
Grande velha Geralda que hoje não está
mais entre nós. Pobre Ana Cristina hoje está acamada, doente e, não varia das
idéias. Quem cuida dela é a mocinha Júlia, uma grande figura.
Muitas vezes agimos como crianças que não
têm noção do perigo. Achamos que nunca vai acontecer com a gente aquilo que
vemos acontecer com os outros. Não somos como os diamantes no sol que duram
para sempre. O perigo pode star num brilhante, num volante, num elefante, num
restaurante, num ignorante, diante ou distante. Não importa. O perigo está em
toda parte e, pode estar ao nosso lado também. Nada pode valer mais, possa ser
mais valiosa, preciosa do que nossas vidas que são glórias e glórias e, esta é
mais uma das minhas histórias.
doutorboacultural.blogspot.com
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