Meu nome é Cremaldo, tenho 45 anos e, como muitos, também tenho uma história para contar.
Sempre fui uma pessoa pacífica, humilde e de bem com a vida. Muito sentimental, choro até pela morte da cigarra que morre cantando. Basta eu ver, ouvir ou ler algo que me emocione e, já é motivo para eu chorar.
Sempre gostei de fazer caridades. Já aconteceu de eu descalçar meus sapatos e meias novas e calçar um mendigo de rua e eu voltar pra casa descalço; de eu dar a mistura da “bóia” pros “nóias” e comer apenas feijão com arroz; de eu dar dinheiro e pertences a bandidos sem eles precisarem me assaltar.
Só que o ser humano, na regra geral, é ingrato. É você dar a mão pra ele e ele te pedir o pé; dar ajuda a ele e ele te pedir a... para com isso!
Descobri que a ingratidão está incorporada até mesmo no reino animal. Deixe tua mulher dar bola pro bode pra você ver o que vai acontecer. O bode vai querer mostrar o seu lado “homem” e a cabra vai ficar no “bé”.
Certo dia, estava eu tomando um café numa padaria, numa noite bem fria de inverno, no centro de Curitiba, capital do Paraná, quando, de repente, vejo atravessar a rua e, vindo na minha direção um cachorro. Meu Deus! Aquele frio de gelar os ossos e o pobrezinho sem blusa. Dei-lhe o nome de Lulu. Paguei a ele uma esfiha, depois um x salada, uma porção de torresmos e um pingado duplo. No frio Lulu não poderia ficar. Chamei um taxi pelo o celular e o levei para a minha casa no bairro Pilarzinho. Chegando lá, o agasalhei com minha blusa de lã que comprei no Chile e, Lulu achou foi bom demais. E, naquela noite Lulu dormiu no sofá da sala, mas, deixei a porta do banheiro aberta caso ele quisesse fazer suas necessidades biológicas ou fisiológicas como defecar e urinar ou, pra simplificar: cagar e mijar entendeu?
Fui para o meu quarto aquecer os pés de Nice (minha mulher), fazer um “mãe love” e, após as gotas, dormi por honra e mérito. Cumpri minhas boas ações. Assim que o galo cantou as 05h01minas em ponto da manhã (é claro) pulei da cama feito a pulga Júlia. Fui para a sala e... vixi, Nice! Que imundície! Entrei em crise. O diabo do Lulu devorou com seus dentes caninos a blusa de lã que comprei no Chile e, olha lá: o sofá? Lulu fez buracos até nos pés e, como se não bastasse encheu de presépios, ou melhor: de bostas mesmo os quatro cantos da minha sala. Não sei como ele conseguiu fazer isso, mas, tinha bosta até no teto da minha estante. Que bicho é esse? Peixe? Não. É o diabo do cão que eu trouxe pra casa.
Eu tinha lá no depósito umas madeiras que comprei no Pinheirinho e, naquele dia nem fui trabalhar. Fiz uma casinha pra ele do tipo e botei o bichinho pra dormir lá. Lulu dormia feito um rei baiano o dia todo e, durante a noite, o filho da peste não deixava nem os galos dormirem. Tadinho dos meus galos! Eles acordavam tão cedo! Era cair uma folha seca no chão e a zoeira já estava pronta: Lulu latia tanto que até se mijava. E o latido do capeta era tão ardido feito um alho num ovo cozido ou fora do ovo também.
Numa madrugada, tava aquele maior silêncio, eu cuidava até mesmo pra respirar mais baixo pra não incomodar o Lulu. De repente, não teve jeito: Nice soltou um peido porque não deu pra segurá-lo mesmo, ela confessou. E aó, danou-se tudo: peido mudo fede mas não faz barulho. Lulu latiu tanto que deve ter incomodado até as formigas, fora a polícia que bateu no meu portão dizendo que aquela era hora de dormir. E Lulu se rolava, babava, cagava, latia, espumava e, depois que a polícia foi embora, tive que chamar o Hilário, um excelente veterinário, que, por sinal, era muito meu amigo, apesar de viver sempre fodido. Só que, quando Hilário chegou, Lulu dormia feito um Faraó no maior xodó. Fazer o que? “Assim caminha a humanidade”, né? Pra que Hilário não perdesse a viagem, servi o cabra com um café bem reforçado com torradas e manteiga (não margarina), dei-lhe um bom dinheiro e ainda paguei um taxi pra ele ir para Tamandaré de onde veio a pé.
Numa noite (aliás, não tem como eu me esquecer dessa noite) cheguei no portão da minha casa e não vi Lulu na área onde ele costumava ficar. Eu voltava de uma viagem e queria fazer uma surpresa para minha Nice. Abri o portão bem devagarinho, tirei meus sapatos e andei na ponta dos pés pra não fazer barulho por causa do Lulu. De certo ele estava nos fundos da casa sentindo o cheiro de uma cadela no cio, pensei. No corredor escutei um “rick reca pelepeteca” que vinha do meu quarto. Eu sou sábio. Sem dúvida, era o ranger da minha cama, eu já conhecia aquele barulho. Eu sou sábio. Doutor Boa, eu esperava de tudo nessa vida, até mesmo o advento, ou seja: a volta de Jesus, menos o que Nice me fez. Abri a porta do meu quarto num pontapé só e, quem estava na minha cama? Eu sou sábio. Eu não merecia isso. Eu que fui sempre um homem presente, prestativo, caridoso, amoroso, fiel, amigo, companheiro, marido, bonito, etc; deparei com uma cena das piores que já vi em toda a minha vida. Meus pensamentos se multiplicaram naquele instante e fiquei indagando como Marvin: “O por que de tudo gostaria de saber. Onde ela está não consigo compreender”. Pois é, Doutor. Ela deixou um bilhete que dizia: “Precisei ir embora. Levei o Lulu comigo. A bóia tá no freezer, é só esquentar”. Só não entendo este mistério, Doutor: E o “rick reca pelepeteca?”
DR. BOA:
- Cremaldo, em seus 45 anos de vida ainda não aprendeu a ser homem? Você coloca em sua história um egoísmo muito absoluto exaltando unicamente a si próprio. Quer provar que é perfeito pelos adjetivos: pacífico, humilde, sentimental, caridoso, etc; para que as pessoas te admirem? Onde é que já se viu pagar para um cachorro uma porção de torresmos e um pingado, rapaz? Você simplesmente fez isso para causar boa impressão. Isso é ridículo. O fato de você ter levado um cachorro para a sua casa é realmente um gesto humano, mas, espera aí: agasalhá-lo com sua blusa de lã comprada no Chile, em Alphaville, em Joinville ou nos quintos do inferno já e demais. Como se não bastasse ainda cedeu sua sala para o animal. Parabéns a ele por marcar território até mesmo no teto de sua estante. Primeiro: você não educou esse bicho; segundo: lugar de cachorro não é dentro de casa. Dar amor a um animal é principalmente educá-lo e não mimá-lo, meu jovem. Ninguém está interessado em saber onde é que você comprou a madeira que serviu para fazer um abrigo para o seu cão. Quanto aos latidos impertinentes do seu cão pela madrugada faltou a tua voz de “homem” na educação deste animal. Outra coisa ridícula que você relatou em sua história absurda é: que a ingratidão está incorporada até mesmo no reino animal. Animais são irracionais, compadre. Apesar de tudo, costumam ser gratos sim, mas, isso é por natureza; não entendem o que é fidelidade, etc. Se a mulher der bola pro bode quem vai botar chifre na cabra é ela e não o bode. Só estará provando que vale menos do que uma cadela. Você é um cara chato, intransigente, tem o péssimo defeito de espalhar a notícia de sua gratidão para os outros. Pra que humilhar a margarina e exaltar a manteiga? Isso é coisa de besta. Quanto ao mistério do “rick reca pelepeteca” eu te explico: quando a mente do sujeito está poluída de total podridão, ele não só ouve, como também vê coisas que não existem. Entendestes? Sua mulher foi embora e levou seu cachorro porque, talvez, não estava te suportando mais, ok? Mude de página ou fique com as lágrimas em sua história. Aprenda a ser homem e boa.
Cabra da peste esse Doutor Boa hein!! Matou a charada! E dá pra fazer uma analogia do cachorro com um monte de coisa... é só parar pra pensar...
ResponderExcluirVamos fazer muitas ainda com os cães. Obrigado, mano brother vitalize. ´Pula santa!'
ResponderExcluirhahahahaha
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